Muito
tem se falado sobre as causas do tiroteio em Medianeira-PR no qual o bullying foi
seu principal estopim.
Vídeos
no celular do adolescente, seu depoimento pessoal para o delegado, relatos dos
colegas para a imprensa do adolescente autor dos disparos admitiu abertamente
que a causa de suas atitudes brutais era para retaliar aos colegas que os
submetia às humilhações diárias do bullying.
Por
isso, iremos dissecar o conceito de bullying, de modo a compreender a maneira
como ele prejudica a capacidade psicológica da vítima, relacionando-o com o aludido
incidente para então, apontar a responsabilidade civil da escola nos casos de
bullying e tiroteios por ele causado.
Inicialmente
é necessário entender como bullying todas as repetidas atitudes agressivas de
um aluno direcionadas para outro com a finalidade de humilhar. Ele geralmente
acontece no pátio, no recreio, na aula de educação física, dentro da sala de
aula, entre as trocas dos professores e de disciplinas.
Conforme
os ensinamentos da professora Aloma Ribeiro Felizardo, o bullying pode ocorrer
por meio de:
a)
Agressões verbais: apelidos, xingamentos ou comentários discriminatórios e as
famosas “zoações”;
b)
Agressões sociais: discriminar, isolar, espalhar boatos, criar intrigas, negar
a socialização ou atrapalhar a socialização do alvo, escrever bilhetes, fazer
desenhos ou caricaturas no quadro ou em qualquer meio que possa ser visto pelos
outros alunos e pelo alvo;
c)
Agressões Físicas: roubar e danificar pertences pessoais da vítima, esmurrar,
chutar, cuspir e empurrar.
É
importante frisar que estas formas de violências podem acontecer dentro da
escola ou próximo ao perímetro da escola.
Como
o bullying se perfaz por “atitudes gestos e palavras que visam abalar
psicologicamente a vítima”,
pode-se então classifica-lo como assédio moral.
Para
que se possa encaixar de forma inequívoca o bullying como uma modalidade de
assédio moral e, subsequentemente na responsabilidade civil da escola, é
imprescindível entender uma das principais sensações e reações que ele causa, o
medo.
O
medo é um estado de progressiva insegurança e angústia, de impotência e
invalidez crescentes, ante a impressão iminente de que sucederá algo que
queríamos evitar e que progressivamente nos consideramos menos capazes de fazer.
O
medo é oriundo de uma exposição a situação causadora da fobia, a angústia é um
estado de expectativa de um perigo, de terror que se perfaz quando o indivíduo
vivencia uma situação perigosa.
Neste
aspecto, Dalmara Marques Abla explica utilizando os
conhecimentos do festejado psicanalista Freud:
Para
Freud, o termo medo requer um objeto determinado, em presença do qual algo se
sente. A angústia, ele esclarece, designa certo estado de expectativa frente ao
perigo e preparação para ele, ainda que se trate de um perigo desconhecido.
Freud chama terror o estado em que o sujeito cai quando corre perigo sem estar
preparado, com destaque ao fator surpresa.
A
angustia mencionada por Freud na explicação da professora Abla é definida como
um mal-estar psíquico e físico que pode ser sentida fisicamente como um aperto
na região epigástrica, de bolo na garganta, acompanhada por palpitações,
palidez e a impressão de que as pernas vacilam, juntamente com uma dificuldade
para respirar.
A
sensação de ameaça induz o cérebro a ativar um conjunto de compostos químicos
que provocam o aumento do batimento cardíaco, a aceleração da respiração e a
contração muscular, ou seja, sensações e alterações físicas que afetam
diretamente o corpo humano de uma forma muito severa. Sobre essas alterações
nefastas é o lecionado por Jean Delumeau:
“Colocado
em estado de alerta, o hipotálamo reage por uma mobilização global do
organismo, que desencadeia diversos tipos de comportamentos somáticos e
provoca, sobretudo, modificações endócrinas. Como toda emoção, o medo pode
provocar efeitos contrastados segundo os indivíduos e as circunstâncias, o até
reações alteradas em uma mesma pessoa: a aceleração dos movimentos do coração
ou sua diminuição; uma respiração demasiadamente rápida ou lenta; uma contração
ou uma dilatação dos vasos sanguíneos; uma hiper ou uma hipo-secreção das
glândulas; constipação ou diarréia, poliúra ou anúria, um comportamento de
imobilização ou uma exteriorização violenta. Nos casos-limite, a inibição era
até uma pseudoparalisia diante do perigo (estado cataléptico) e a
exteriorização resultará numa tempestade de movimentos desatinados e
inadaptados, característicos do pânico. ”
Por
isso, é certo afirmar que a exposição sistemática a situações de fobia, como o
caso do bullying, gera o medo, que consiste em um estado progressivo de alerta
que causa insegurança e angustia, sentimentos estes que quando somatizados
afetam o funcionamento perfeito da biologia do corpo humano, em especial, o bom
funcionar do aparato psicológico.
E
é, justamente, este abalo no funcionamento do aparato psicológico humano por
meio do assédio é que configura o dano moral e, consequentemente, sua
compensação.
Resta
agora ponderar de quem é o dever indenizatório para os casos de bullying
escolar.
Para
isso passar-se-á a explanação dos conceitos da responsabilidade civil de modo
geral e, em seguida, apontado para a responsabilidade civil das escolas.
A
Responsabilidade Civil é pontificada no art. 186, do Código Civil de 2002 aonde
diz: “aquele que, por ação ou omissão voluntaria, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito”, e é aonde iremos buscar elementos para entender a
responsabilidade da escola pública pelo ocorrido no julgamento em análise.
Em
primeiro lugar, devemos observar que somos responsáveis pelos atos que
praticamos mesmo quando não há a vontade direta de produzir danos, bastando,
para sermos responsáveis, somente a consciência do risco de produzi-lo.
Neste
tocante ensina Rui Stoco quando diz: “cumpre, todavia,
assinalar que não se insere no contexto de voluntariedade o propósito ou a
consciência do resultado danoso, ou seja, a deliberação ou a consciência de
causar o prejuízo. Este é um elemento definidor de dolo. A voluntariedade
pressuposta na culpa é a ação em si mesma”.
O
Código Civil também trata da responsabilidade civil indireta mormente conhecida
por ato de terceiro, nos artigos. 932 e 936 a 938.
No
caso estudado, a voluntariedade pode ser vista na medida em que ocorrem
omissões ligadas aos deveres legais de cuidado, vigilância, cuja
responsabilização é imposta por força de lei (aqui leia-se como medidas para
evitar o bullying suportado pela aluna).
Deixar
de tomar medidas para proteger a integridade psicológica do aluno simboliza uma
violação legal do dever de guarda que é natural de toda instituição de ensino.
O
Código Civil de 2002 adota a teoria da responsabilidade objetiva em que a
instituição assume o risco de indenizar os danos inerentes de sua atividade
educacional independentemente de culpa.
Isso
significa dizer que; basta que haja um dano ao aluno ou à terceiro dentro da
escola que esta é responsável pela indenização.
Esse
tipo de responsabilidade está prevista no art. 932, IV, no qual versa que a
hospedagem, para fins de educação, faz com que a instituição hospedeira é
responsável pelos atos e pela segurança do aluno.
Já
o artigo 933 define que as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo
anterior, ainda que sem culpa, responderão pelos atos praticados pelas pessoas
ali listadas.
Isso
é afirmar que enquanto o aluno estiver nas dependências da instituição de
ensino, ela detém responsabilidade pela saúde física e mental do aluno, bem
como é responsável pelos atos ilícitos praticados por ele contra terceiros.
O
dever de vigilância é oriundo da responsabilidade objetiva também prevista pelo
Código de Defesa do Consumidor no seu artigo 14, em que entende a instituição
de ensino como prestadora de serviços, e o aluno como consumidor.
Conforme
os ensinamentos de Aguiar Dias essa responsabilidade
também se aplica às escolas de ensino gratuito em que o Estado responde pelos
danos sofridos pelo aluno em consequência de ato ilícito de outro.
Deve-se
frisar que essa responsabilidade não se restringe somente dentro da escola, mas
também fora dela, como em casos de passeios ou atividades organizadas pela
escola.
É
acertado concluir que o Estado se responsabiliza pelos danos que causados ou
sofridos por alunos ou terceiros em seus estabelecimentos e extensões
extramuros.
Essa
afirmação decorre da teoria do risco administrativo, consagrada desde a
Constituição Federal de 1946 que pontificou o fundamento doutrinário acerca da
responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos casados por seus
agentes públicos seja por ação ou omissão durante o exercício da função.
Essa
estrutura teórica traz surge do princípio constitucional da responsabilidade
civil objetiva do Poder Público fazendo com que o Estado traga para si o dever
de indenizar o dano pessoal ou patrimonial sofridos por seus tutelados, independentemente
culpa.
Desse
modo é inescapável a responsabilidade civil da escola nos casos em que incorre
em omissão nos casos de bullying sofrido pelo atirador, ou ainda, age de forma
ineficiente na prevenção e contenção dos focos como é de se concluir com o
depoimento do diretor da escola.
A
mesma sorte segue a responsabilidade civil da escola no caso de tiroteio como o
de Medianeira, pois, considerando a responsabilidade civil objetiva das
respectivas escolas, basta que haja qualquer falha na segurança capaz de pôr a
vida dos educandos em risco ou causar-lhes danos de qualquer natureza para se
configurar a obrigação indenizatória das instituições.
Pelo
exposto, é claro que o bullying é uma forma de assédio moral que abala a
estrutura psicológica da vítima fazendo-a, em situações limítrofes, cometer
atos como o tiroteio em análise.
Portanto,
cabe a escola adotar todos os métodos possíveis para evitar o bullying e
assegurar o bem-estar físico e psicológico de seus educandos, sob pena da responsabilização
objetiva por sua omissão ou ação ineficaz.
Alexandre Saldanha
Advogado,
OAB-PR 47.535, Especialista em Bullying, Mobbing, Palestrante, Escritor,
Cientista, Pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil,
Pós-graduado em Direito Contemporâneo, Pós-graduado em Direito Aplicado, Membro
da Comissão de Responsabilidade Civil da OAB-Paraná, Membro da Comissão de
Direitos da Infância e Adolescência da OAB-Paraná, Membro da Comissão de
Direito Anti-bullying da OAB São Paulo, Seccional São Caetano do Sul.
Felizardo, Aloma Ribeiro, Bullying
Escolar, prevenção, intervenção e resolução com princípios da Justiça
Restaurativa; Aloma Ribeiro Felizardo, Curitiba, Editora Intersaberes, 2017,
p.41.
HIRIGOYEN, Marie France, Assédio Moral:
Violência perversa no cotidiano, Tradução de Maria Helena Kühner, 12ª edição,
Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2010, p.65
DALGALARRONDO, Paulo.
Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais, p.109. Porto Alegre:
Artmed, 2006.
ABLA, Dalmara Marques. Experiência
de Saber - Escola Letra Freudiana - Reflexões sobre o objeto no medo e na
fobia, p.155, Ed. 7 Letras, 2009.
VANIER, Alain. Temos medo de quê?
Revista Ágora, p.286. Rio de Janeiro. v. IX n 2 jul/dez 2006.
DELUMEAU, Jean. História do medo
no Ocidente: 1300-1800., p.23, 3ª rein. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
STOCO, Rui. Tratado de
Responsabilidade Civil. São Paulo: RT, 2007, 2001, p. 95.
DIAS, José de Aguiar. Da
Responsabilidade Civil. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 240.