Hoje,
dia vinte de outubro de 2017 é o dia internacional de combate ao bullying. No Brasil, o tema ainda tem
ares de novidade posto ser tratado há apenas dezessete anos.
Nos
primeiros dez anos destes quase vinte anos de estudos observamos o levante de
diversas teorias conceituais sobre o que viria ser e como ocorre esta agressão,
seus envolvidos, seus danos e suas consequências.
Nos
últimos sete anos, vimos sofríveis legislações estaduais e municipais pipocarem
por todo o território nacional, culminando com a Lei Federal de número
13.185/2015 na qual tratou o tema em cinco artigos.
Esta
lei, em um primeiro momento, foi motivo de comemoração entre entusiastas,
cientistas e estudiosos do tema. No entanto, a forma rasteira e confusa da qual
a lei conceitua o bullying agravada
com as equiparações da prática do bullying
com outros tipos penais e a ressalva da não aplicabilidade da lei quando
possível, resultam numa inutilidade de aplicabilidade jurídica da norma e uma
enorme confusão conceitual na população sobre o que é de fato bullying.
Mesmo
prevendo a obrigatoriedade de programas preventivos por parte das instituições
de ensino, pouquíssimo tem sido feito para que se previna ou puna as práticas
de bullying no Brasil.
O
que se tem visto são medidas inúteis, insuficientes e tolas para justificarem a
“obediência da lei” das quais se locupletam escolas para amenizarem suas
responsabilidades e agressores para descaracterizarem seus atos lesivos.
Em
outro giro, o que há são contratos de mediocridade em que as escolas “fingem
que tomam medidas preventivas contratando profissionais que fingem que
previnem”.
A
pedagogia falhou há muito tempo na prevenção desta violência, a prova fática
disso está no fato do judiciário se encontrar abarrotado de ações
indenizatórias cíveis e criminais envolvendo bullying.
Isso
leva-me a afirmar, sem medo de errar, que as escolas e os pais dos agressores
só tomam atitudes verdadeiras quando são postos em discussões judiciais nas
quais não há somente a punição por meio da indenização, mas, também há o
caráter preventivo, pois, um agressor ou uma escola culpada pelo bullying condenados por sentença
irrecorrível só tornarão a reincidir no ato se demonstrarem um desdém enorme
pela justiça e um desvio de caráter preocupante do qual denotar-se-á a total
desrespeito pela dignidade humana.
Posto
isso, quero afirmar que o judiciário acerta e tem sucesso onde a pedagogia tem
falhado. Portanto, é necessário desmistificar a ideia sobre a dificuldade em
aforar demanda indenizatória contra a instituição de ensino ou contra os pais
dos agressores.
Os
sites de pesquisa de julgados processuais estão repletos de decisões
monocráticas e de colegiado que concedem vitória às vítimas e condenam escolas
e agressores ao pagamento de indenização por danos morais e materiais[1].
O
que é preciso é o encorajamento das pessoas para procurarem seus direitos, uma
vez que, o silencio perpetua a violência e a impunidade.
Deve-se
ressaltar que é um dever previsto por lei[2] e inerente da atividade
educacional a preservação do bem-estar psicológico e físico do aluno.
Ressalta-se
ainda que o bullying é uma modalidade
de dano moral e, para o direito, o dano moral deve ser indenizado por previsão
legal.
Neste
sentido, deve-se atentar apenas na configuração entre o nexo de causalidade
entre a agressão de bullying e o dano
causado para a vítima durante a sua estadia sob a guarda e vigilância da escola[3].
As
dúvidas que impedem grande parte das pessoas a ingressarem com uma ação
indenizatória estão em dois pontos: primeiro é quais provas eu utilizo nos
casos de bullying e o segundo é
quanto o desequilíbrio das capacidades probatórias entre Instituição de ensino
Ré e Vítima Autora.
Pois
bem, o direito admite todos os meios de prova que não forem ilegais ou
ilícitos. Para os casos de bullying
podemos considerar então filmagens, bilhetes, fotos, áudios, perfis falsos, prints das injurias em redes sociais,
cópias das sms, atas notariais,
testemunho de colegas da vítima e da própria vítima, testemunho dos pais e dos
envolvidos e etc.
É
acertado salientar que, nos casos de contrato de prestação de serviço educacional,
a escola deve prever em seu contrato a seguridade do bem-estar do aluno, e nos
casos de descumprimento deste ponto contratual, caberá à escola provar que não
houve o descumprimento[4], conforme o artigo 6º,
VIII do Código de Defesa do Consumidor.
Por
isso, o aluno se sofrer bullying e
apresente alguma dificuldade quanto a “logística” da produção de prova da
ocorrência do fato danoso, é possível pleitear a inversão do ônus da prova sob
a égide do Código de defesa do Consumidor no artigo acima citado[5].
Como
se constata, o direito agasalha as pretensões dos que dele se socorrem
corretamente, por este motivo não há que se falar em medo de se valer das vias
judiciais para garantir a reparação dos danos decorrentes do bullying.
É
evidente que a prevenção é o caminho ideal de erradicação o bullying. Todavia, uma expressiva
parcela social envolvida nas questões educacionais nada faz de forma espontânea
e honesta, de modo a apontar o judiciário como meio final de resolução desses
conflitos.
Isso
demonstra que medidas preventivas só serão tomadas de forma expressiva depois
de uma massiva onda de processos cíveis e criminais envolvendo o bullying em seus julgamentos e sentenças
nos quais obriguem instituições de ensino e familiares a realmente educarem seus
alunos e filhos para o convívio pacífico como parte do cumprimento de sentença,
por exemplo.
Por
óbvio que as instituições de ensino processadas e condenadas tomarão atitudes
preventivas para evitar a reincidência, posto desejarem preservar o nome
institucional.
Já
quanto as famílias dos agressores, estas reeducarão seus filhos para que estes
aprendam as consequências de seus atos e os prejuízos legais financeiros que
acarretam.
Ao
passo que ações tiverem suas sentenças positivas prolatadas e escolas e famílias
sucumbirem por conta de sua omissão, as muitas legislações antibullying serão cumpridas voluntariamente por todos em nossa
sociedade.
Outra
forma que resultaria em prevenção efetiva do bullying é a elaboração de uma lei plausível na qual seja previsto
um conceito correto do bullying, as
suas modalidades, a obrigatoriedade das escolas em tomar medidas preventivas
sob pena de sanção legal, a previsão de indenização para os casos de bullying e outras punições adequadas ao
ECA quando necessário e a formação de grupos de auditoria para assegurar a
aplicabilidade das medidas legais em todo os ambientes escolares.
É
imperativo que o bullying seja
tratado socialmente, entretanto, há a necessidade imprescindível participação
das instituições de ensino em conjunto com as famílias dos alunos na
conscientização dos danos imediatos e futuros na vida pessoal e laboral dos
envolvidos na prática do bullying, bem
como na criação de medidas educativas eficientes para tanto.
Contudo,
até que se aprenda a importância do acima dito, haverá a necessidade da atuação
do poder judiciário no âmbito dos tribunais e do legislativo na elaboração de
leis com conteúdo coercitivo.
Sem
isso, contaremos a assistir massacres, processos, suicídios, jovens e crianças
sofrendo calados diante da sedimentação da impunidade e da violência do bullying.
[1] ProcessoAPC
20060310083312 DF, Órgão Julgador2ª Turma Cível, Publicação DJU 25/08/2008
Pág.:70, DJU 25/08/2008 Pág. : 70, Julgamento9 de Julho de 2008, Relator:WALDIR
LEÔNCIO JÚNIOR
Ementa
DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS.
ABALOS PSICOLÓGICOS DECORRENTES DE VIOLÊNCIA ESCOLAR. BULLYING. OFENSA AO
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA. SENTENÇA REFORMADA. CONDENAÇÃO DO COLÉGIO.
VALOR MÓDICO ATENDENDO-SE ÀS PECULIARIDADES DO CASO.
1. CUIDA-SE DE RECURSO DE APELAÇÃO
INTERPOSTO DE SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS POR ENTENDER QUE NÃO RESTOU CONFIGURADO O NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA DO
COLÉGIO E EVENTUAL DANO MORAL ALEGADO PELO AUTOR. ESTE PRETENDE RECEBER
INDENIZAÇÃO SOB O ARGUMENTO DE HAVER ESTUDADO NO ESTABELECIMENTO DE ENSINO EM 2005
E ALI TERIA SIDO ALVO DE VÁRIAS AGRESSÕES FÍSICAS QUE O DEIXARAM COM TRAUMAS
QUE REFLETEM EM SUA CONDUTA E NA DIFICULDADE DE APRENDIZADO.
2. NA ESPÉCIE, RESTOU DEMONSTRADO NOS
AUTOS QUE O RECORRENTE SOFREU AGRESSÕES FÍSICAS E VERBAIS DE ALGUNS COLEGAS DE
TURMA QUE IAM MUITO ALÉM DE PEQUENOS ATRITOS ENTRE CRIANÇAS DAQUELA IDADE, NO
INTERIOR DO ESTABELECIMENTO RÉU, DURANTE TODO O ANO LETIVO DE 2005. É CERTO QUE
TAIS AGRESSÕES, POR SI SÓ, CONFIGURAM DANO MORAL CUJA RESPONSABILIDADE DE
INDENIZAÇÃO SERIA DO COLÉGIO EM RAZÃO DE SUA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. COM
EFEITO, O COLÉGIO RÉU TOMOU ALGUMAS MEDIDAS NA TENTATIVA DE CONTORNAR A
SITUAÇÃO, CONTUDO, TAIS PROVIDÊNCIAS FORAM INÓCUAS PARA SOLUCIONAR O PROBLEMA,
TENDO EM VISTA QUE AS AGRESSÕES SE PERPETUARAM PELO ANO LETIVO. TALVEZ PORQUE O
ESTABELECIMENTO DE ENSINO APELADO NÃO ATENTOU PARA O PAPEL DA ESCOLA COMO
INSTRUMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL, SOBRETUDO NO CASO DE CRIANÇAS TIDAS COMO
"DIFERENTES". NESSE PONTO, VALE REGISTRAR QUE O INGRESSO NO MUNDO ADULTO
REQUER A APROPRIAÇÃO DE CONHECIMENTOS SOCIALMENTE PRODUZIDOS. A INTERIORIZAÇÃO
DE TAIS CONHECIMENTOS E EXPERIÊNCIAS VIVIDAS SE PROCESSA, PRIMEIRO, NO INTERIOR
DA FAMÍLIA E DO GRUPO EM QUE ESTE INDIVÍDUO SE INSERE, E, DEPOIS, EM
INSTITUIÇÕES COMO A ESCOLA. NO DIZER DE HELDER BARUFFI, "NESTE PROCESSO DE
SOCIALIZAÇÃO OU DE INSERÇÃO DO INDIVÍDUO NA SOCIEDADE, A EDUCAÇÃO TEM PAPEL
ESTRATÉGICO, PRINCIPALMENTE NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
[2] Art. 927. Aquele que, por ato
ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem.
[3] Art. 932. São
também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que
estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e
curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus
empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir,
ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias,
casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de
educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem
participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
[4] Processo APL
00111734920118190028 RJ 0011173-49.2011.8.19.0028, Órgão Julgador VIGÉSIMA
SEXTA CAMARA CIVEL/ CONSUMIDOR, Partes Autor: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DO
TOCANTINS - UNITINS, Autor: EDUCON - SOCIEDADE CIVIL DE EDUCAÇÃO CONTINUADA
LTDA, Réu: ELISANGELA COSTA DA CONCEIÇÃO, Publicação06/03/2014 00:01, Julgamento4
de fevereiro de 2014, Relator DES. JUAREZ FERNANDES FOLHES
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. COMPETÊNCIA.
INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. RELAÇÃO DE
CONSUMO.
Ação indenizatória fundada no
descumprimento de contrato de prestação de serviços educacionais. Matéria
inserida nas Tabelas Processuais Unificadas do Conselho Nacional de Justiça, no
assunto "DIREITO DO CONSUMIDOR Contratos de Consumo - Estabelecimentos de
ensino". Aplicação do art. 6.º
-A do RITJERJ. DECLÍNIO DA COMPETÊNCIA
PARA UMA DAS CÂMARAS CÍVEIS ESPECIALIZADAS DESTE TRIBUNAL.
[5] Um exemplo seria
o pedido para que a escola exiba os vídeos de segurança do pátio aonde o bullying teria ocorrido.
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