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Alexandre Saldanha (esquerda) e Lélio Braga Calhau (direita) |
INTRODUÇÃO
O ENTREVISTADO:
Nossa
entrevista de hoje é com o Dr. Alexandre Saldanha, um advogado civil, cujo
escritório é sediado em Curitiba, PR, e especializado em atuar em processos
judiciais onde se discute a ocorrência de bullying escolar.
Saldanha
é advogado, membro da Comissão de Responsabilidade Civil da OAB-PR, membro da
Comissão da Criança e do Adolescente da OAB-PR, membro da Comissão de Direito
Anti-Bullying da OAB-SP- Subseção São Caetano do Sul, é especialista em
bullying e mobbing, Pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil
pela Unicuritiba, Pós-graduado em Direito Contemporâneo pelo Centro de Estudos
Jurídicos Curso Professor Luiz Carlos e Pós-graduando em Direito Aplicado pela
Escola da Magistratura do Paraná
Foi
condecorado com o título Moção de Aplausos da Comissão de Direitos Humanos da
OAB da 4ª subseção Rio Claro — SP, em reconhecimento aos trabalhos
desenvolvidos para prevenção do Bullying, em prol da Cidadania, dos Sujeitos
Titulares de Direitos Humanos, da Sociedade Doméstica e da Comunidade
Internacional.
O ENTREVISTADOR:
A
entrevista foi realizada pelo professor Lélio Braga Calhau, promotor de justiça
e coordenado deste projeto no Medium. Lélio é Promotor de Justiça do Ministério
Público de Minas Gerais. Mestre em Direito do Estado e Cidadania — UGF-RJ.
Graduado em Psicologia — UNIVALE. Especialista em Psicanálise pela UNIVALE.
Especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha). Autor
do livro Bullying: o que você precisa saber, 4ª edição, Rodapé, Belo Horizonte,
MG, 2018. entre outros. Recebeu da Frente Parlamentar Antibullying do Câmara
dos Deputados a comenda “Embaixador da Paz” pelo seu trabalho na área.
Escritor, palestrante e professor há 22 anos.
A ENTREVISTA
1.
Dr.
Alexandre, na sua percepção, as vítimas de bullying são protegidas
adequadamente pelas leis brasileiras?
As
leis que tratam do bullying não protegem factualmente os alvos de bullying.
O
que ocorre de fato é que essas leis asseguram o direito do alvo de pleitear
danos morais e materiais em sede processual.
Todas
as leis foram mal e porcamente editadas numa onda de recorte e cola sem
qualquer sentido prático para a prevenção, uma vez que não prevê nenhuma pena
para as escolas que não possuem projetos efetivos de prevenção e combate, como
também evita o apenamento de praticantes de bullying e seus familiares.
Por
isso, eu creio que todas as leis existentes em território nacionais são
incompetentes e insuficientes na proteção do alvo de bullying.
2. Quais são os maiores
desafios para os advogados que ajuízam ações envolvendo responsabilidade civil
em casos de bullying escolar?
A
grande dificuldade está, sem dúvida na produção de provas. Muito embora haja o
instituto de inversão do ônus da prova, ainda é muito difícil colher provas que
provem o bullying.
A
dificuldade está para o aluno alvo porque este está tomado por vergonha e medo,
para os expectadores que tem medo de admitir a conivência com o assédio e com a
escola que, por política auto protecionista jamais fará provas contra si.
Devo
salientar que os pais dos alunos também rechaçam a ideia de participar de
qualquer tipo de processo ainda que como testemunha.
Os
professores e demais funcionários, habitualmente, não depõe contra sem
empregador ainda que, intimamente, concordem com o processo. Até porque são
engolidos pelas políticas corporativas de proteção ao bom nome da instituição
de ensino.
3. As escolas
brasileiras, no geral, estão fazendo o necessário para evitar o bullying?
Não.
O que as escolas têm feito são pactos de mediocridade no qual se finge que se
cumpre a lei, fingindo que se constroem projetos educacionais pífios de pseudo
prevenção. Nesse pacto por sua vez, os alunos fingem que aprenderam alguma
coisa e emulam uma falsa interiorização das mensagens antibullying.
4. Pais e escolas,
eventualmente, não se entendem quando lidamos com o bullying. Em muitos casos
há acusações mútuas entre eles e os filhos acabam perdendo. O que pode ser feito
para melhorar essa situação?
Para
que possamos compreender a importância de ponto estratégico das políticas de
prevenção ao bullying, é necessário aprendermos sobre a Análise Econômica do
Direito.
A
Análise Econômica do Direito trabalha com um sistema de derivação conhecido por
Teoria dos Jogos, uma teórica de variantes matemáticas aplicadas à A Teoria dos
Jogos ensina que podem existir dois tipos de jogos: os de cooperação e os de
conflito.
O
primeiro se dá quando todos os jogadores inicialmente combinam seus esforços em
prol de um mesmo resultado;
Já
o segundo, ocorre quando os jogadores buscam seus interesses individuais que,
comumente, são conflitantes. Deve-se frisar que esta última modalidade é a
predominante no Judiciário, quando instaladas as lides.
Neste
caso, os jogadores são: a instituição de ensino como fornecedora e seus alunos
como consumidores.
Para
as situações de bullying, geralmente, a fornecedora e o consumidor estão em
lados opostos, causando uma competição dentro de um processo judicial.
Neste
cenário não há lucro nem para consumidor nem para fornecedor, posto que, todos
sofrem desgastes tanto de caráter emocional e sócio moral, quanto
economicamente.
A
escola porque tem o nome empresarial prejudicado, uma vez que o produto
ofertado não atinge o resultado esperado.
Dessa
forma a propaganda institucional resta ameaçada.
Sob
a mesma ameaça está o resultado da prestação educacional, que pretende educar
formalmente ao mesmo tempo que prepara o aluno para a vida social fora dos
muros da instituição.
Quando
o ambiente escolar é afetado pela violência do bullying, não há prestação
educacional adequada nem preparo psicológico e social dos educandos para a
resolução dos cotidianos problemas em sociedade.
Os
Alunos não recebem uma prestação educacional a contento posto que estão
expostos em um ambiente eivado pelo medo, o que é nocivo a saúde mental afeta
do negativamente o desenvolvimento intelectual dos alunos, como também geral
doenças psicossomáticas para as vítimas diretas e indiretas do bullying.
Estes
motivos levam ao conflito de interesses na esfera judicial, pois, estão cada
qual a defender seus interesses econômicos e pessoais.
Agora,
se a instituição oferece prevenção e apoio aos alunos de modo que estes
sentem-se acolhidos e auxiliados, há então a modalidade cooperativa, na qual
todos trabalham em prol do mesmo objetivo.
Essa
modalidade evita ações judiciais, potencializa o bom nome empresarial, preserva
a dignidade, o bem-estar dos alunos, e principalmente, garante a prestação
educacional plena.
5. O senhor defende a
criminalização do bullying?
Não,
vejamos as minhas razões:
Durante
os anos de 2010 até maio deste ano, diversas propostas tramitaram no Congresso
Nacional com a finalidade de incluir o bullying no Código Penal com o nome de
“intimidação vexatória”, a exemplo do Projeto de Lei n° 6725/2010 do Deputado
Federal Inocêncio Oliveira, Projeto de lei nº1011/2011 do Deputado Federal
Fábio Faria e Projeto de Lei nº 7609/2014 do Deputado Danilo Cabral.
Ocorre
que todos estes Projetos de Lei possuem as mesmas falhas triviais quando
qualificam a “intimidação vexatória” praticada entre jovens e crianças como
crime, pois, ignoram totalmente a legislação brasileira, incluindo a
Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e toda a
codificação Penal e Processual Penal.
O
Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 103 diz que o infracional é
a conduta da criança e do adolescente que se assemelhe a crime ou contravenção
penal.
Sendo
assim, considera-se ato infracional todo fato típico, descrito como crime ou
contravenção penal.
No
caso do art. 103, embora a prática do ato tenha a equiparação ao crime, não há
a culpabilidade, em decorrência da imputabilidade penal, a qual somente é
adquirida quando se completa 18 anos, quando daí por diante o termo adotado é
crime, delito ou contravenção penal.
A
inimputabilidade é para a Constituição Federal em seu artigo 228 e para o
Direito Penal em seu artigo 26 , a incapacidade do agente responder por sua
conduta delituosa, pela sua incapacidade de entender o teor ilícito do seu ato.
O
Código de Processo Penal em seu artigo 397, II é taxativo quando fala da não
aplicabilidade da lei penal e Processual Penal quando o sujeito é inimputável.
Sendo
assim, a inimputabilidade é causa de exclusão da culpabilidade, isto é, mesmo
sendo o fato típico e antijurídico, não é culpável (mesmo havendo crime não há
pena), eis que não há elemento que comprove a capacidade psíquica do agente
para compreender a reprovabilidade de sua conduta, não ocorrendo, portanto, a
imposição de pena ao infrator.
Por
isso, não será aplicada a pena às crianças e aos adolescentes, mas, apenas as
medidas socioeducativas.
Deve-se
ressaltar que, seria preciso uma profunda reformulação em todos os conjuntos
normativos balizadores da nossa sociedade (Constituição Federal, Código Civil,
Código de Processo Civil, Código Penal, Código Processual Penal, Estatuto da
Criança e do Adolescente) para que fosse possível a capitulação do bullying
como crime.
Isso
porque é necessário readequar todos estes diplomas a modificação da imputabilidade
para que uma codificação não “desdiga” ou atrapalhe a aplicação da outra.
É
indispensável conhecer toda a legislação pátria para propor de forma coerente
qualquer modificação em códigos ou leis especiais.
Igualmente
importante é a sedimentação da ideia de que crianças e adolescentes praticantes
de bullying não devem, em hipótese alguma, dividir espaços prisionais com
criminosos de alta periculosidade, pois, desta forma a sociedade transformará
jovens confusos em criminosos cruéis e profissionais.
Finalmente,
o mais importante: é preciso criar a consciência da reeducação pacifica, da
implantação de programas obrigatórios nas escolas para coibir e resolver o
bullying ou qualquer outra forma de violência.
O
Caminho da conscientização pode ser o mais longo, porém é o mais adequado, uma
vez que, enquanto legislações apenas contêm e punem condutas inadequadas, a
educação modifica o caráter e burila postura social.
6. Os valores fixados
pelo Poder Judiciário nas indenizações por atos de bullying são altos, em sua avaliação?
As
indenizações são ainda insuficientes e beiram à casa de R$ 3.000,00 a R$
10.000,00, sendo que isso pode variar conforme o poder aquisitivo da vítima do
autor das circunstancias da prática do bullying como, por exemplo, se houve
agressão física ou se o bullying ocorreu em esfera virtual aonde o descontrole
da disseminação do assédio é imensurável.
7. Com dez anos de
atuação na área o senhor se especializou como um grande advogado na área de responsabilidade
civil em casos de bullying. As leis brasileiras (federais, estaduais e
municipais) são suficientes para se combater o problema?
As
leis são imprecisas e, na maioria das vezes, confundem e equiparam ato ilícito
à tipos penais como é o caso da lei federal antibullying que em muitos artigos
tipifica o bullying de modo equiparado ao furto, ao roubo, ao assédio sexual e
a pilhagem, por exemplo.
Tudo
isso, confunde o judiciário que ainda engatinha nas tratativas do tema, bem
como atrapalha a decisão do juiz quando na ocasião da determinação do preço
indenizatório, pois, ora a lei equipara o bullying a crime ora diz que quanto
mais puder melhor será evitar qualquer tipo de punição.
Tenho
que frisar ainda que todas as leis não possuem qualquer previsão legal de pena
para os casos de bullying. Isso é o mesmo que falar para o autor do bullying
“não pode fazer porque é imoral, porém se fizer não dá nada. E de der dá quase
nada”.
8. Quais são as maiores
dificuldades que os advogados enfrentam ao ajuizar ações de indenizações em
casos de bullying escolar?
Primeira
grande dificuldade é lutar contra grandes conglomerados educacionais que
possuem uma poderosa máquina advocatícia que sempre cria métodos, nem sempre
muito morais, de contornar a lei e responsabilidade pelos casos de bullying
ocorrido dentro da instituição.
O
outro grande entrave é explicar para o juiz que bullying quase sempre é velado
e de difícil “flagrante” e, que por isso, nós advogados das vítimas sempre
contamos indícios de provas materiais como alguns bilhetes, prints de celular
ou computador, testemunhas e gravações de celular para comprovar o assédio. E,
por isso, deve ele considerar a importância dessas provas para os casos de ação
envolvendo bullying.
Por
fim, o grande desafio é elevar as indenizações por meio da explicação técnica
de que o bullying gera danos irreversíveis para o desenvolvimento e afetivo da
vítima.
Às
vezes a dor do bullying se enraíza na vítima por anos, fazendo com que ela se
torne um adulto com problemas de diversos tipos como os relacionais, as
síndromes e emocionais.
Por
isso, a indenização deve sim ter caráter punitivo e consequentemente
educacional para que a vítima se sinta além de compensada no seu sofrimento se
sinta também protegida pela justiça brasileira.