quinta-feira, 23 de agosto de 2018

ADVOCACIA, LEIS E BULLYING ESCOLAR NO BRASIL: entrevistando Alexandre Saldanha

Alexandre Saldanha (esquerda) e Lélio Braga Calhau (direita)


INTRODUÇÃO

O ENTREVISTADO:
Nossa entrevista de hoje é com o Dr. Alexandre Saldanha, um advogado civil, cujo escritório é sediado em Curitiba, PR, e especializado em atuar em processos judiciais onde se discute a ocorrência de bullying escolar.

Saldanha é advogado, membro da Comissão de Responsabilidade Civil da OAB-PR, membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB-PR, membro da Comissão de Direito Anti-Bullying da OAB-SP- Subseção São Caetano do Sul, é especialista em bullying e mobbing, Pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Unicuritiba, Pós-graduado em Direito Contemporâneo pelo Centro de Estudos Jurídicos Curso Professor Luiz Carlos e Pós-graduando em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná

Foi condecorado com o título Moção de Aplausos da Comissão de Direitos Humanos da OAB da 4ª subseção Rio Claro — SP, em reconhecimento aos trabalhos desenvolvidos para prevenção do Bullying, em prol da Cidadania, dos Sujeitos Titulares de Direitos Humanos, da Sociedade Doméstica e da Comunidade Internacional.


O ENTREVISTADOR:
A entrevista foi realizada pelo professor Lélio Braga Calhau, promotor de justiça e coordenado deste projeto no Medium. Lélio é Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Mestre em Direito do Estado e Cidadania — UGF-RJ. Graduado em Psicologia — UNIVALE. Especialista em Psicanálise pela UNIVALE. Especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha). Autor do livro Bullying: o que você precisa saber, 4ª edição, Rodapé, Belo Horizonte, MG, 2018. entre outros. Recebeu da Frente Parlamentar Antibullying do Câmara dos Deputados a comenda “Embaixador da Paz” pelo seu trabalho na área. Escritor, palestrante e professor há 22 anos.

A ENTREVISTA

1.          Dr. Alexandre, na sua percepção, as vítimas de bullying são protegidas adequadamente pelas leis brasileiras?

As leis que tratam do bullying não protegem factualmente os alvos de bullying.

O que ocorre de fato é que essas leis asseguram o direito do alvo de pleitear danos morais e materiais em sede processual.

Todas as leis foram mal e porcamente editadas numa onda de recorte e cola sem qualquer sentido prático para a prevenção, uma vez que não prevê nenhuma pena para as escolas que não possuem projetos efetivos de prevenção e combate, como também evita o apenamento de praticantes de bullying e seus familiares.

Por isso, eu creio que todas as leis existentes em território nacionais são incompetentes e insuficientes na proteção do alvo de bullying.

2. Quais são os maiores desafios para os advogados que ajuízam ações envolvendo responsabilidade civil em casos de bullying escolar?
A grande dificuldade está, sem dúvida na produção de provas. Muito embora haja o instituto de inversão do ônus da prova, ainda é muito difícil colher provas que provem o bullying.

A dificuldade está para o aluno alvo porque este está tomado por vergonha e medo, para os expectadores que tem medo de admitir a conivência com o assédio e com a escola que, por política auto protecionista jamais fará provas contra si.

Devo salientar que os pais dos alunos também rechaçam a ideia de participar de qualquer tipo de processo ainda que como testemunha.

Os professores e demais funcionários, habitualmente, não depõe contra sem empregador ainda que, intimamente, concordem com o processo. Até porque são engolidos pelas políticas corporativas de proteção ao bom nome da instituição de ensino.

3. As escolas brasileiras, no geral, estão fazendo o necessário para evitar o bullying?

Não. O que as escolas têm feito são pactos de mediocridade no qual se finge que se cumpre a lei, fingindo que se constroem projetos educacionais pífios de pseudo prevenção. Nesse pacto por sua vez, os alunos fingem que aprenderam alguma coisa e emulam uma falsa interiorização das mensagens antibullying.

4. Pais e escolas, eventualmente, não se entendem quando lidamos com o bullying. Em muitos casos há acusações mútuas entre eles e os filhos acabam perdendo. O que pode ser feito para melhorar essa situação?
Para que possamos compreender a importância de ponto estratégico das políticas de prevenção ao bullying, é necessário aprendermos sobre a Análise Econômica do Direito.

A Análise Econômica do Direito trabalha com um sistema de derivação conhecido por Teoria dos Jogos, uma teórica de variantes matemáticas aplicadas à A Teoria dos Jogos ensina que podem existir dois tipos de jogos: os de cooperação e os de conflito.

O primeiro se dá quando todos os jogadores inicialmente combinam seus esforços em prol de um mesmo resultado;

Já o segundo, ocorre quando os jogadores buscam seus interesses individuais que, comumente, são conflitantes. Deve-se frisar que esta última modalidade é a predominante no Judiciário, quando instaladas as lides.

Neste caso, os jogadores são: a instituição de ensino como fornecedora e seus alunos como consumidores.

Para as situações de bullying, geralmente, a fornecedora e o consumidor estão em lados opostos, causando uma competição dentro de um processo judicial.

Neste cenário não há lucro nem para consumidor nem para fornecedor, posto que, todos sofrem desgastes tanto de caráter emocional e sócio moral, quanto economicamente.

A escola porque tem o nome empresarial prejudicado, uma vez que o produto ofertado não atinge o resultado esperado.

Dessa forma a propaganda institucional resta ameaçada.

Sob a mesma ameaça está o resultado da prestação educacional, que pretende educar formalmente ao mesmo tempo que prepara o aluno para a vida social fora dos muros da instituição.

Quando o ambiente escolar é afetado pela violência do bullying, não há prestação educacional adequada nem preparo psicológico e social dos educandos para a resolução dos cotidianos problemas em sociedade.

Os Alunos não recebem uma prestação educacional a contento posto que estão expostos em um ambiente eivado pelo medo, o que é nocivo a saúde mental afeta do negativamente o desenvolvimento intelectual dos alunos, como também geral doenças psicossomáticas para as vítimas diretas e indiretas do bullying.

Estes motivos levam ao conflito de interesses na esfera judicial, pois, estão cada qual a defender seus interesses econômicos e pessoais.

Agora, se a instituição oferece prevenção e apoio aos alunos de modo que estes sentem-se acolhidos e auxiliados, há então a modalidade cooperativa, na qual todos trabalham em prol do mesmo objetivo.

Essa modalidade evita ações judiciais, potencializa o bom nome empresarial, preserva a dignidade, o bem-estar dos alunos, e principalmente, garante a prestação educacional plena.

5. O senhor defende a criminalização do bullying?
Não, vejamos as minhas razões:

Durante os anos de 2010 até maio deste ano, diversas propostas tramitaram no Congresso Nacional com a finalidade de incluir o bullying no Código Penal com o nome de “intimidação vexatória”, a exemplo do Projeto de Lei n° 6725/2010 do Deputado Federal Inocêncio Oliveira, Projeto de lei nº1011/2011 do Deputado Federal Fábio Faria e Projeto de Lei nº 7609/2014 do Deputado Danilo Cabral.

Ocorre que todos estes Projetos de Lei possuem as mesmas falhas triviais quando qualificam a “intimidação vexatória” praticada entre jovens e crianças como crime, pois, ignoram totalmente a legislação brasileira, incluindo a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e toda a codificação Penal e Processual Penal.

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 103 diz que o infracional é a conduta da criança e do adolescente que se assemelhe a crime ou contravenção penal.

Sendo assim, considera-se ato infracional todo fato típico, descrito como crime ou contravenção penal.

No caso do art. 103, embora a prática do ato tenha a equiparação ao crime, não há a culpabilidade, em decorrência da imputabilidade penal, a qual somente é adquirida quando se completa 18 anos, quando daí por diante o termo adotado é crime, delito ou contravenção penal.

A inimputabilidade é para a Constituição Federal em seu artigo 228 e para o Direito Penal em seu artigo 26 , a incapacidade do agente responder por sua conduta delituosa, pela sua incapacidade de entender o teor ilícito do seu ato.

O Código de Processo Penal em seu artigo 397, II é taxativo quando fala da não aplicabilidade da lei penal e Processual Penal quando o sujeito é inimputável.

Sendo assim, a inimputabilidade é causa de exclusão da culpabilidade, isto é, mesmo sendo o fato típico e antijurídico, não é culpável (mesmo havendo crime não há pena), eis que não há elemento que comprove a capacidade psíquica do agente para compreender a reprovabilidade de sua conduta, não ocorrendo, portanto, a imposição de pena ao infrator.

Por isso, não será aplicada a pena às crianças e aos adolescentes, mas, apenas as medidas socioeducativas.

Deve-se ressaltar que, seria preciso uma profunda reformulação em todos os conjuntos normativos balizadores da nossa sociedade (Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Penal, Código Processual Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente) para que fosse possível a capitulação do bullying como crime.

Isso porque é necessário readequar todos estes diplomas a modificação da imputabilidade para que uma codificação não “desdiga” ou atrapalhe a aplicação da outra.

É indispensável conhecer toda a legislação pátria para propor de forma coerente qualquer modificação em códigos ou leis especiais.

Igualmente importante é a sedimentação da ideia de que crianças e adolescentes praticantes de bullying não devem, em hipótese alguma, dividir espaços prisionais com criminosos de alta periculosidade, pois, desta forma a sociedade transformará jovens confusos em criminosos cruéis e profissionais.

Finalmente, o mais importante: é preciso criar a consciência da reeducação pacifica, da implantação de programas obrigatórios nas escolas para coibir e resolver o bullying ou qualquer outra forma de violência.

O Caminho da conscientização pode ser o mais longo, porém é o mais adequado, uma vez que, enquanto legislações apenas contêm e punem condutas inadequadas, a educação modifica o caráter e burila postura social.

6. Os valores fixados pelo Poder Judiciário nas indenizações por atos de bullying são altos, em sua avaliação?
As indenizações são ainda insuficientes e beiram à casa de R$ 3.000,00 a R$ 10.000,00, sendo que isso pode variar conforme o poder aquisitivo da vítima do autor das circunstancias da prática do bullying como, por exemplo, se houve agressão física ou se o bullying ocorreu em esfera virtual aonde o descontrole da disseminação do assédio é imensurável.

7. Com dez anos de atuação na área o senhor se especializou como um grande advogado na área de responsabilidade civil em casos de bullying. As leis brasileiras (federais, estaduais e municipais) são suficientes para se combater o problema?

As leis são imprecisas e, na maioria das vezes, confundem e equiparam ato ilícito à tipos penais como é o caso da lei federal antibullying que em muitos artigos tipifica o bullying de modo equiparado ao furto, ao roubo, ao assédio sexual e a pilhagem, por exemplo.

Tudo isso, confunde o judiciário que ainda engatinha nas tratativas do tema, bem como atrapalha a decisão do juiz quando na ocasião da determinação do preço indenizatório, pois, ora a lei equipara o bullying a crime ora diz que quanto mais puder melhor será evitar qualquer tipo de punição.

Tenho que frisar ainda que todas as leis não possuem qualquer previsão legal de pena para os casos de bullying. Isso é o mesmo que falar para o autor do bullying “não pode fazer porque é imoral, porém se fizer não dá nada. E de der dá quase nada”.

8. Quais são as maiores dificuldades que os advogados enfrentam ao ajuizar ações de indenizações em casos de bullying escolar?

Primeira grande dificuldade é lutar contra grandes conglomerados educacionais que possuem uma poderosa máquina advocatícia que sempre cria métodos, nem sempre muito morais, de contornar a lei e responsabilidade pelos casos de bullying ocorrido dentro da instituição.

O outro grande entrave é explicar para o juiz que bullying quase sempre é velado e de difícil “flagrante” e, que por isso, nós advogados das vítimas sempre contamos indícios de provas materiais como alguns bilhetes, prints de celular ou computador, testemunhas e gravações de celular para comprovar o assédio. E, por isso, deve ele considerar a importância dessas provas para os casos de ação envolvendo bullying.

Por fim, o grande desafio é elevar as indenizações por meio da explicação técnica de que o bullying gera danos irreversíveis para o desenvolvimento e afetivo da vítima.

Às vezes a dor do bullying se enraíza na vítima por anos, fazendo com que ela se torne um adulto com problemas de diversos tipos como os relacionais, as síndromes e emocionais.

Por isso, a indenização deve sim ter caráter punitivo e consequentemente educacional para que a vítima se sinta além de compensada no seu sofrimento se sinta também protegida pela justiça brasileira.



Nenhum comentário:

Postar um comentário