Com a corrente utilização dos espaços
virtuais como forma de relacionar-se com o mundo e as pessoas, estes ambientes
também passaram a ser utilizados nas
relações afetivas intimas, com trocas vídeos em momentos íntimos, envio de
imagens e registros de nudez.
Muitos casais, sob a égide da necessidade de
vencer distancias e ou inovar nas relações intimas, lançam mão da troca de
mensagens com conteúdo erótico.
Todavia, essas práticas podem se tornar
verdadeiras armas psicológicas , sobretudo, nos términos de relacionamentos. A
internet com toda a sua gama de possibilidades e seu uso aparentemente anônimo,
fomentou a prática de atos ilícitos como Cyberbullying,
roubo de imagens e dados, sequestros de máquinas e redes de dados corporativas,
assédio moral na internet e, agora, a mais recente forma de crueldade
cibernética: O Revange Porn.
O Revenge
Prorn ou vingança pornográfica é o ato de divulgar, por qualquer meio
físico ou virtual, foto ou vídeo de caráter sexual, com nudez ou pornografia
sem o consentimento da vítima, há maior ocorrência desta prática contra
mulheres, que pode ser considerado como uma nova modalidade de violência de
gênero.
Uma das mais comuns hipóteses de vingança
pornográfica ocorre quando um dos pares do casal expõe a intimidade do outro na
internet, tendo como única finalidade a vingança.
Segundo Milner[1]
pode-se associar o Revenge Porn a uma
violência de ordem simbólica associada diretamente aos papeis de gênero
socialmente associados ao homem e a mulher. Espera-se que o homem exerça um
papel dominante e viril e que a mulher seja submissa e recatada. Quando a
mulher trai ou deixa o parceiro este se sente desonrado e atingido diretamente
na sua masculinidade, então a forma de repará-la é demonstrar sua virilidade e
humilhar pessoa que a maculou. A utilização de imagens ou vídeos íntimos da
vítima é então utilizada para mostrar poder sobre a mulher e restaurar o
orgulho ferido.
A pornografia de vingança traz inúmeras
consequências nefastas para as vítimas, pois, uma vez que os arquivos
encontrem-se em domínio público, seu conteúdo chega aos olhos do grupo social
da vítima, incluindo sua família.
A violência contra a
dignidade e a personalidade registrada em ambiente virtual possui um efeito
brutal e devastador na vítima, uma vez que a incerteza sobre o raio de alcance
das informações trazem um constante estado de pânico e vergonha, o que
intensifica o trauma.
Kalsched[2]
define como trauma “qualquer experiência que cause à vítima uma dor ou
ansiedade psíquica insuportável.” Para ele a experiência insuportável ou
intolerável é aquela capaz de ultrapassar as defesas psíquicas que servem de
escudo protetor contra os estímulos externos. Um trauma desta magnitude pode
gerar na vítima um intenso medo do aniquilamento do eu coerente e de uma
mudança demasiadamente drástica na forma com que a pessoa se vê e é vista pelo
seu grupo social. Além disso, a franca circulação do conteúdo
intimo pode gerar comentários nocivos e pejorativos constantes contra a vítima.
Os impactos dessa violência nas vítimas são
incontáveis e podem atingir diversas áreas da vida do sujeito como a social,
emocional, psicológica, financeira e familiar. O dano psicológico causado a vítima é variável. A idade,
personalidade profissão, rede de apoio e a gravidade da exposição são alguns
dos fatores que influenciam diretamente na intensidade do trauma gerado.
Dentre os danos psicológicos e emocionais
causados as vítimas do Revenge Porn
destacam-se: baixa autoestima, insegurança, ansiedade, isolamento social, falta
de confiança, dificuldades afetivas e depressão.
Não raro crimes virtuais têm levado suas
vítimas ao suicídio, especialmente meninas durante a adolescência que não
conseguem lidar com a pressão psicológica gerada pelo medo de como a família,
os amigos e a sociedade a julgarão pelo ocorrido.
Como o
significado do papel de vítima é inseparável do contexto cultural, a vítima
sempre parecerá culpada, principalmente em uma sociedade que valoriza, sobre
tudo, o domínio, a conquista e o poder: exatamente o necessário para se criar
vítimas.
A vingança pornográfica traz às suas vítimas
danos de ordem patrimonial e extra patrimonial, popularmente conhecidos como
danos morais e materiais.
Por este motivo é clara a necessidade de
observar este fenômeno nefasto sob a luz do Direito Civil, mais especificamente
sob o foco do dano moral, conceito de suma importância da Responsabilidade
Civil.
Diante o acima explicado, é acertado afirmar
que essa modalidade de agressão atinge à moral da vítima, causando-a um intenso
abalo psicológico. Por isso, os conceitos de Dano moral serão estendidos de
modo a trazer a técnica para aplica-la a matéria tratada.
Para o Direito Civil, os conceitos que
abrangem a estruturação da personalidade humana são compreendidos como
patrimônio moral.
A lesão a este patrimônio consiste no Dano
moral. Neste aspecto leciona Carlos Roberto Gonçalves[3]:
“Dano moral (...) é lesão de bem que integra
os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem,
o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição
Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação”.
Conforme o lecionado pelo professor Carlos
Roberto Gonçalves, a Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos V e X,
elenca os direitos subjetivos privados concernentes à integridade moral,
assegurando o direito a indenização pelos danos oriundos de sua violação,
vejamos:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta
proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral, ou à
imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”
Nesta mesma perspectiva do professor
supracitado é a interpretação da obra de Rui Stoco[4]
ao citar o livro “Danni Morali Contrattualli”, de Damartelo quando elenca os
elementos fundamentais do dano moral como a privação ou diminuição dos bens que
têm um valor inquestionável na vida humana, sendo eles a paz de espírito, a
liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados
afetos. Propugnando assim, a seguinte classificação do dano moral: a) dano
moral que afeta a parte social do patrimônio moral como honra e reputação; b)
dano moral que molesta a parte afetiva do patrimônio moral como a dor, a
tristeza e a saúde, por exemplo; c) dano moral que provoca direta ou indiretamente
dano patrimonial a exemplo de uma cicatriz na face ou em local vexatório ou
deformidade física; d) dano moral puro compreendido como dor, tristeza e
sentimentos similares.
Da leitura das lições acima compreendemos que
o dano moral sempre atingirá a psique e a dignidade do indivíduo gerando um
trauma.
Os conceitos de dano moral acima são formados
por outros conceitos complementares como Moral, Dignidade, Personalidade e
Psique. Vamos a estes conceitos
A Moral consiste num conjunto de regras
sociais.
Tem-se por Dignidade a consciência do próprio
valor, ou popularmente chamado de “amor próprio”.
A Personalidade é o valor máximo de um ser
humano. É a consciência de quem se é, é a auto valoração do caráter individual.
Para
a psicologia analítica de Carl Gustav Jung[5] a
psique é essencialmente simbólica, nela estão contidos os aspectos da
personalidade do sujeito bem como seus sentimentos e pensamentos conscientes e
inconscientes. A principal função da psique é regular o conteúdo interno do
sujeito ao ambiente e as relações que este se insere, ou seja, a psique é o
aparato mental que possibilita que o sujeito possa experimentar o mundo a sua
volta.
Devemos obtemperar que o abalo psicológico
pode modificar negativamente sua condição mental de forma a prejudicar o
comportamento social do indivíduo para com sua família, amigos e no ambiente
profissional, tornando a vítima antissocial e improdutiva.
De acordo com Kalshed[6]
uma psique que sofre um trauma intenso tona-se autotraumatizante, o que
significa que mesmo após a cessação da situação traumática ela continua a ser
assombrada pela figura opressora. Deste modo torna-se possível afirmar que o
dano causado à vítima é de longa permanência e pode ser bastante prejudicial a
longo prazo, prejudicando o estabelecimento de novos relacionamentos afetivos
dadas as cicatrizes emocionais causadas.
Por isso que quando se aprecia o dano ao
psicológico deve-se ater a condição pessoal da vítima e a extensão deste dano
em sua vida pessoal e em seus valores individuais.
Neste sentido a professora Maria Celina Bodin
de Moraes[7]
elencou os seguintes parâmetros para a avaliação do dano moral a natureza a
gravidade e a repercussão da ofensa (a amplitude do dano); as condições
pessoais da vítima (posição social, política, econômica); a intensidade do seu
sofrimento.
É justamente a correlação entre o ato lesivo
e a extensão do dano psicológico é que nasce o conceito de nexo causal que,
para o direito é a ligação entre ato ilícito e o dano causado por ele.
Aguiar Dias[8]
ensina que é preciso demonstrar, para aforar a ação de reparação que sem o fato
alegado, o dano não se teria produzido.
E é por isso que Sergio Cavalieri Filho[9]
define nexo causal como elemento referencial entre a conduta e o resultado. É
através dele que poderemos concluir quem foi o causador do dano.
Sendo assim, na seara da responsabilidade
civil, o nexo causal tem duas funções: a) permite determinar a quem se deve
atribuir um resultado danoso e b) é indispensável na verificação da extensão do
dano a se indenizar, pois serve como medida da indenização[10].
Por este motivo, deve-se pontificar que dano
moral para os caso da vingança pornográfica é resultado da seguinte equação: a)
o ato do agressor de espalhar o conteúdo
íntimo e ou erótico, b) o resultado nefasto na psique da vítima resultante do
trauma, c) O real prejuízo ou incapacidade para as atividades da sua vida
cotidiana e suas relações pessoais e profissionais.
Pelo estudo acima podemos concluir que o Revenge Porn é um ato ilícito de
espalhar conteúdo íntimo e ou erótico envolvendo a vítima, gerando-a danos
psicológicos denominados traumas que, afetam de forma superlativamente
agressiva a vida sociais e profissionais da vitima gerando o direito ao
aforamento de uma ação indenizatória por danos morais e materiais em face de
seu agressor.
ALEXANDRE SALDANHA
MARESSA SALDANHA
ANA CAROLINA BURKO MACIEL
|
[1] MILNER, M. N.,
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress
(Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017
[2] KALSCHED, D.O Mundo Interior do Trauma: Defesas
Arquetípicas do Espírito Pessoal. São Paulo. Paulus. 2013, p.11.
[3]
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2008. v. IV. p.359
[4] STOCO, Rui.
Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 2ª ed., Revista dos
Tribunais, p. 458.
[5] Jung, C.G. 1977 A Vida Simbólica- Vol.
18. Coleção Obras Completas de C. G. Jung, p.
[6] KALSCHED,
D.O Mundo Interior do Trauma: Defesas
Arquetípicas do Espírito Pessoal. São Paulo. Paulus. 2013, p.
[7] MORAES, Maria Celina Bodin de.
Danos à Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 29
[8] DIAS, Aguiar.
Responsabilidade Civil em Debate. 1ª Ed. Forense, 1983, p.177.
[9] CAVALIERE
FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10. Ed. São Paulo: Atlas,
2012, p.67.
[10]CRUZ, Gisela
Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005, p. 22.
Nenhum comentário:
Postar um comentário