sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

REVANGE PORN (VINGANÇA PORNOGRÁFICA) E O DIREITO À INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MORAIS DELA DECORRENTES.


Com a corrente utilização dos espaços virtuais como forma de relacionar-se com o mundo e as pessoas, estes ambientes também passaram  a ser utilizados nas relações afetivas intimas, com trocas vídeos em momentos íntimos, envio de imagens e registros de nudez.
Muitos casais, sob a égide da necessidade de vencer distancias e ou inovar nas relações intimas, lançam mão da troca de mensagens com conteúdo erótico.
Todavia, essas práticas podem se tornar verdadeiras armas psicológicas , sobretudo, nos términos de relacionamentos. A internet com toda a sua gama de possibilidades e seu uso aparentemente anônimo, fomentou a prática de atos ilícitos como Cyberbullying, roubo de imagens e dados, sequestros de máquinas e redes de dados corporativas, assédio moral na internet e, agora, a mais recente forma de crueldade cibernética: O Revange Porn.
O Revenge Prorn ou vingança pornográfica é o ato de divulgar, por qualquer meio físico ou virtual, foto ou vídeo de caráter sexual, com nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima, há maior ocorrência desta prática contra mulheres, que pode ser considerado como uma nova modalidade de violência de gênero.
Uma das mais comuns hipóteses de vingança pornográfica ocorre quando um dos pares do casal expõe a intimidade do outro na internet, tendo como única finalidade a vingança.
Segundo Milner[1] pode-se associar o Revenge Porn a uma violência de ordem simbólica associada diretamente aos papeis de gênero socialmente associados ao homem e a mulher. Espera-se que o homem exerça um papel dominante e viril e que a mulher seja submissa e recatada. Quando a mulher trai ou deixa o parceiro este se sente desonrado e atingido diretamente na sua masculinidade, então a forma de repará-la é demonstrar sua virilidade e humilhar pessoa que a maculou. A utilização de imagens ou vídeos íntimos da vítima é então utilizada para mostrar poder sobre a mulher e restaurar o orgulho ferido.
A pornografia de vingança traz inúmeras consequências nefastas para as vítimas, pois, uma vez que os arquivos encontrem-se em domínio público, seu conteúdo chega aos olhos do grupo social da vítima, incluindo sua família.
A violência contra a dignidade e a personalidade registrada em ambiente virtual possui um efeito brutal e devastador na vítima, uma vez que a incerteza sobre o raio de alcance das informações trazem um constante estado de pânico e vergonha, o que intensifica o trauma.
Kalsched[2] define como trauma “qualquer experiência que cause à vítima uma dor ou ansiedade psíquica insuportável.” Para ele a experiência insuportável ou intolerável é aquela capaz de ultrapassar as defesas psíquicas que servem de escudo protetor contra os estímulos externos. Um trauma desta magnitude pode gerar na vítima um intenso medo do aniquilamento do eu coerente e de uma mudança demasiadamente drástica na forma com que a pessoa se vê e é vista pelo seu grupo social. Além disso, a franca circulação do conteúdo intimo pode gerar comentários nocivos e pejorativos constantes contra a vítima.
Os impactos dessa violência nas vítimas são incontáveis e podem atingir diversas áreas da vida do sujeito como a social, emocional, psicológica, financeira e familiar. O dano psicológico causado a vítima é variável. A idade, personalidade profissão, rede de apoio e a gravidade da exposição são alguns dos fatores que influenciam diretamente na intensidade do trauma gerado.
Dentre os danos psicológicos e emocionais causados as vítimas do Revenge Porn destacam-se: baixa autoestima, insegurança, ansiedade, isolamento social, falta de confiança, dificuldades afetivas e depressão.
Não raro crimes virtuais têm levado suas vítimas ao suicídio, especialmente meninas durante a adolescência que não conseguem lidar com a pressão psicológica gerada pelo medo de como a família, os amigos e a sociedade a julgarão pelo ocorrido.
Como o significado do papel de vítima é inseparável do contexto cultural, a vítima sempre parecerá culpada, principalmente em uma sociedade que valoriza, sobre tudo, o domínio, a conquista e o poder: exatamente o necessário para se criar vítimas.
A vingança pornográfica traz às suas vítimas danos de ordem patrimonial e extra patrimonial, popularmente conhecidos como danos morais e materiais.
Por este motivo é clara a necessidade de observar este fenômeno nefasto sob a luz do Direito Civil, mais especificamente sob o foco do dano moral, conceito de suma importância da Responsabilidade Civil.
Diante o acima explicado, é acertado afirmar que essa modalidade de agressão atinge à moral da vítima, causando-a um intenso abalo psicológico. Por isso, os conceitos de Dano moral serão estendidos de modo a trazer a técnica para aplica-la a matéria tratada.
Para o Direito Civil, os conceitos que abrangem a estruturação da personalidade humana são compreendidos como patrimônio moral.
A lesão a este patrimônio consiste no Dano moral. Neste aspecto leciona Carlos Roberto Gonçalves[3]:
“Dano moral (...) é lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação”.
Conforme o lecionado pelo professor Carlos Roberto Gonçalves, a Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos V e X, elenca os direitos subjetivos privados concernentes à integridade moral, assegurando o direito a indenização pelos danos oriundos de sua violação, vejamos:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral, ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”
Nesta mesma perspectiva do professor supracitado é a interpretação da obra de Rui Stoco[4] ao citar o livro “Danni Morali Contrattualli”, de Damartelo quando elenca os elementos fundamentais do dano moral como a privação ou diminuição dos bens que têm um valor inquestionável na vida humana, sendo eles a paz de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos. Propugnando assim, a seguinte classificação do dano moral: a) dano moral que afeta a parte social do patrimônio moral como honra e reputação; b) dano moral que molesta a parte afetiva do patrimônio moral como a dor, a tristeza e a saúde, por exemplo; c) dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial a exemplo de uma cicatriz na face ou em local vexatório ou deformidade física; d) dano moral puro compreendido como dor, tristeza e sentimentos similares.
Da leitura das lições acima compreendemos que o dano moral sempre atingirá a psique e a dignidade do indivíduo gerando um trauma.
Os conceitos de dano moral acima são formados por outros conceitos complementares como Moral, Dignidade, Personalidade e Psique. Vamos a estes conceitos
A Moral consiste num conjunto de regras sociais.
Tem-se por Dignidade a consciência do próprio valor, ou popularmente chamado de “amor próprio”.
A Personalidade é o valor máximo de um ser humano. É a consciência de quem se é, é a auto valoração do caráter individual.
         Para a psicologia analítica de Carl Gustav Jung[5] a psique é essencialmente simbólica, nela estão contidos os aspectos da personalidade do sujeito bem como seus sentimentos e pensamentos conscientes e inconscientes. A principal função da psique é regular o conteúdo interno do sujeito ao ambiente e as relações que este se insere, ou seja, a psique é o aparato mental que possibilita que o sujeito possa experimentar o mundo a sua volta.
Devemos obtemperar que o abalo psicológico pode modificar negativamente sua condição mental de forma a prejudicar o comportamento social do indivíduo para com sua família, amigos e no ambiente profissional, tornando a vítima antissocial e improdutiva.
De acordo com Kalshed[6] uma psique que sofre um trauma intenso tona-se autotraumatizante, o que significa que mesmo após a cessação da situação traumática ela continua a ser assombrada pela figura opressora. Deste modo torna-se possível afirmar que o dano causado à vítima é de longa permanência e pode ser bastante prejudicial a longo prazo, prejudicando o estabelecimento de novos relacionamentos afetivos dadas as cicatrizes emocionais causadas.
Por isso que quando se aprecia o dano ao psicológico deve-se ater a condição pessoal da vítima e a extensão deste dano em sua vida pessoal e em seus valores individuais.
Neste sentido a professora Maria Celina Bodin de Moraes[7] elencou os seguintes parâmetros para a avaliação do dano moral a natureza a gravidade e a repercussão da ofensa (a amplitude do dano); as condições pessoais da vítima (posição social, política, econômica); a intensidade do seu sofrimento.
É justamente a correlação entre o ato lesivo e a extensão do dano psicológico é que nasce o conceito de nexo causal que, para o direito é a ligação entre ato ilícito e o dano causado por ele.
Aguiar Dias[8] ensina que é preciso demonstrar, para aforar a ação de reparação que sem o fato alegado, o dano não se teria produzido.
E é por isso que Sergio Cavalieri Filho[9] define nexo causal como elemento referencial entre a conduta e o resultado. É através dele que poderemos concluir quem foi o causador do dano.
Sendo assim, na seara da responsabilidade civil, o nexo causal tem duas funções: a) permite determinar a quem se deve atribuir um resultado danoso e b) é indispensável na verificação da extensão do dano a se indenizar, pois serve como medida da indenização[10].
Por este motivo, deve-se pontificar que dano moral para os caso da vingança pornográfica é resultado da seguinte equação: a) o ato do agressor de espalhar  o conteúdo íntimo e ou erótico, b) o resultado nefasto na psique da vítima resultante do trauma, c) O real prejuízo ou incapacidade para as atividades da sua vida cotidiana e suas relações pessoais e profissionais.
Pelo estudo acima podemos concluir que o Revenge Porn é um ato ilícito de espalhar conteúdo íntimo e ou erótico envolvendo a vítima, gerando-a danos psicológicos denominados traumas que, afetam de forma superlativamente agressiva a vida sociais e profissionais da vitima gerando o direito ao aforamento de uma ação indenizatória por danos morais e materiais em face de seu agressor.

ALEXANDRE SALDANHA
MARESSA SALDANHA
ANA CAROLINA BURKO MACIEL








[1] MILNER, M. N., Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017

[2] KALSCHED, D.O Mundo Interior do Trauma: Defesas Arquetípicas do Espírito Pessoal. São Paulo. Paulus. 2013, p.11.

[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v.  IV. p.359
[4] STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 2ª ed., Revista dos Tribunais, p. 458.
[5] Jung, C.G. 1977 A Vida Simbólica-  Vol. 18. Coleção Obras Completas de C. G. Jung, p.
[6] KALSCHED, D.O Mundo Interior do Trauma: Defesas Arquetípicas do Espírito Pessoal. São Paulo. Paulus. 2013, p.
[7] MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 29
[8] DIAS, Aguiar. Responsabilidade Civil em Debate. 1ª Ed. Forense, 1983, p.177.
[9] CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10. Ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.67.
[10]CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 22.

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