sábado, 16 de junho de 2018

ESTUDO DE DUAS JURISPRUDÊNCIAS (SENTENÇAS) PARANAENSES SOBRE A INDENIZAÇÃO NOS PROCESSOS DE BULLYING




Pretende-se com este estudo analisar e explicar de forma pedagógica cada decisão que compõe esta jurisprudência, de modo a esclarecer na prática diversos pontos importantes sobre o tema que este julgado abarca.
De plano, transcreve-se a ementa do julgado. Vejamos:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INSTITUIÇÃO DE ENSINO. EXPOSIÇÃO DA PARTE RECLAMANTE PERANTE COLEGAS DE SALA. TRATAMENTO DIFERENCIADO. BULLYING CONFIRMADO PELA PROVA TESTEMUNHAL. SITUAÇÃO QUE EXTRAPOLA OS DISSABORES DO COTIDIANOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$10.000,00, A FIM DE ATENDER ÀS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO, ALÉM DAS FINALIDADES PUNITIVA, PEDAGÓGICA E COMPENSATÓRIA. INSCRIÇÃO LEGÍTIMA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DA PARCELA REFERENTE AO MÊS DE JANEIRO/2012. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE, NO MAIS MANTIDA NA FORMA DO ART. 46 LJE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Precedente:
Diante do exposto, resolve esta Turma Recursal, por unanimidade de votos, CONHECER do recurso e, no mérito, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, nos exatos termos do voto (TJPR - 0015275-53.2013.8.16.0182 - Curitiba - Rel.: Daniel Tempski Ferreira da Costa - J. 10.12.2015)

Primeiramente, há de se observar que o Tribunal de Justiça do Paraná entende que o bullying deve expor a vítima à uma situação vexatória perante aos colegas de sala de aula[1].
Nesta afirmativa vemos que o bullying é um ato praticado dentro do ambiente escolar e deve, necessariamente, expor a vítima à um constrangimento.
Outro ponto que esta decisão esclarece com maestria é a possibilidade de comprovar o bullying a partir do depoimento de testemunhas[2].
Sabe-se que uma das mais obscuras fases processuais nas demandas de bullying é a probatória, uma vez que as escolas detêm, naturalmente, todos os instrumentos e documentos que podem servir de prova para a ocorrência de bullying dentro de seu estabelecimento.
Desse modo, é de suma importância que o magistrado atribua um considerável valor a prova testemunhal para casos em que se perceba esta disparidade de “armas” dentro do processo, de modo a equilibrar a contenda e oportunizar a elucidação da verdade dos fatos.
A observação de que o bullying não é uma brincadeira, pois, extrapola a esfera de um mero dissabor e, por isso, causa dano moral, significa um avanço na consideração do tema na esfera jurídica, vez que veste o bullying de ilicitude, dando-lhe identidade de ato ilícito capaz de gerar lesão no patrimônio psicológico do indivíduo.
Consequentemente, agasalhando o direito da vítima em receber indenização por danos morais[3].
E, não só isso, como também atribui à indenização seus caráteres mais importantes da responsabilidade civil[4], sendo eles:
O caráter punitivo que prevê sanção para praticante de bullying ou para a instituição de ensino que negligenciou a ocorrência desta violência dentro de suas instalações;
O caráter pedagógico que pretende, além de ensinar aos condenados a consequência de um ato ilícito seja ele comissivo ou omissivo, prevenir a reincidência uma vez que, de antemão saberão as consequências jurídicas de sua prática;
Por fim, o caráter compensatório, que tem o condão de servir de lenitivo para a vítima, uma vez que o abalo psicológico é impossível de indenizar por completo ao ponto de devolver à vítima o estado de paz psicológica anterior da lesão, por este motivo é que se entende que a indenização é mera compensação e nunca um indenizatório.
Temos ainda, outro julgado paranaense que tratou do mesmo tema, mas, com aspectos diferentes e igualmente importante para o direito. Observemos:
EMENTA. I - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. BULLYING. AMEAÇA E AGRESSÃO. ATOR QUE CONTAVA COM 6 ANOS DE IDADE À ÉPOCA. CONDUTA OMISSIVA DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. QUEBRA DO DEVER DE CUIDADO. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.II - AGRAVOS RETIDOS NÃO CONHECIDOS POR AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO DE APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL, NOS TERMOS DO § 1º DO ARTIGO 523 DO CPC.III - AGRAVO RETIDO SOBRE A ILEGITIMIDADE ATIVA DO AUTOR PARA PLEITEAR DANOS MATERIAIS. PREJUDICADO.IV - APELAÇÃO CÍVEL. REQUERIMENTO DE NULIDADE DA SENTENÇA POR INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À CONDENAÇÃO EM INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MATERIAIS. PREJUDICADO.V - GASTOS COM MENSALIDADE, CONDUÇÃO, UNIFORME E MATERIAL ESCOLARES. RESSARCIMENTO INDEVIDO DIANTE DA UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PELO AUTOR. SENTENÇA MODIFICADA QUANTO AO PONTO PARA EXCLUIR E REFERIDA INDENIZAÇÃO.VI - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA RÉ. NEXO DE CAUSALIDADE E DANO DEMONSTRADO. INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MORAIS DEVIDA, CUJO VALOR É DE SER MANTIDO ESPECIALMENTE DIANTE DO CARÁTER PEDAGÓGICO E PREVENTIVO DA MEDIDA.VII - REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA, DIANTE DO AUTOR TER DECAÍDO EM PARTE DE SEU PEDIDO.VIII - RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO.CONCLUSÃO: RECURSOS DE AGRAVOS RETIDOS DE FLS.110/111 (APENSO) E 223 NÃO CONHECIDOS. AGRAVO RETIDO DE FLS. 180/184 PREJUDICADO E RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO.(TJPR - 8ª C.Cível - AC - 1117690-8 - Curitiba -  Rel.: Jorge de Oliveira Vargas - Unânime -  J. 21.08.2014)

Este julgado inicia considerando o bullying como ato de ameaça e agressão, ou seja, diz em outras palavras o cerne das expressões que conceituam também a prática desse assédio.
E para entende-lo melhor deve-se entender que o bullying escolar consiste em todo ato assediador que ocorre entre colegas de classe em ambiente escolar ou acadêmico, cujo resultado agride o equilíbrio psicológico de uma ou mais pessoas.
Por esse motivo, ser alvo deste tipo de conduta gera o direito de ser indenizado[5].
A conduta omissiva da escola é mencionada aqui, juntamente com a quebra do dever de cuidado como um dos fatores que justificam a indenização, que para o direito tem o nome de teoria da guarda[6].
A teoria da guarda que versa sobre a obrigação imposta a alguém (pai, mãe, comerciante, depositário, executado), de ter vigilância, zelando pela sua conservação, coisas ou pessoas (menores, filhos, bens), que lhe são entregues ou confiados, protegendo-as sob as penas da lei.
 O artigo 932, IV do Código Civil Brasileiro, o qual estatui que a hospedagem, para fins de educação, faz com que o hospedeiro responda pelos atos do educando.
Em síntese, a escola que recebe alunos mediante pagamento para educa-los é responsável pelos atos destes enquanto estiverem sob sua guarda e companhia.
Já o art. 933 define que as pessoas indicadas nos incisos I a V do art. 932, do Código Civil, ainda que não haja culpa da sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
Ou seja, diz que independentemente de culpa, a escola é responsável por qualquer dano ou lesão que o aluno sofrer ou causar enquanto estiver sob a responsabilidade institucional.
Com base nestes dois mandamentos jurídicos pode-se delinear a responsabilidade objetiva da escola[7].
Todavia, para que seja devida a indenização, deve-se comprovar a ligação entre o ato ilícito e o dano que ele resultou.
No caso concreto, se comprovou que um aluno sofreu bullying dento do estabelecimento educacional durante o período em que sua segurança deveria ser garantida pela instituição de ensino Ré daquela ação[8].
Com o estudo destes dois julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, foi possível concluir que o bullying é tratado com cuidado e primazia pelos Magistrados paranaenses, de modo que conceituaram e estruturaram o tema de forma a resolver as questões humanas que dele resultam quando chegam aos cuidados do judiciário.
Vê-se que os tribunais paranaenses entendem o bullying como uma forma de assédio moral que ocorre dentro do ambiente escolar e que, uma vez comprovada a sua ocorrência, ainda que por meio de depoimentos testemunhais, é passível de indenização, posto ser de obrigação objetiva da escola a garantia da integridade física e psicológica do aluno que ela recebe.
Destaca-se ainda as funções atribuídas a indenização, sendo elas: compensatória, punitiva, pedagógica e preventiva.
Sob notadamente, o conceito e a tratativa do bullying é um legado importante para o direito brasileiro que avança na proteção da dignidade humana e na garantia de um ambiente educacional pacífico, livre da violência e preconceito.

Alexandre Saldanha
Advogado, OAB-PR 47.535, Especialista em Bullying, Mobbing, Palestrante, Escritor, Cientista, Pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil, Pós-graduado em Direito Contemporâneo, Pós-graduado em Direito Aplicado, Membro da Comissão de Responsabilidade Civil da OAB-Paraná, Membro da Comissão de Direito Anti-bullying da OAB São Paulo, Seccional São Caetano do Sul.



[1] RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INSTITUIÇÃO DE ENSINO. EXPOSIÇÃO DA PARTE RECLAMANTE PERANTE COLEGAS DE SALA. TRATAMENTO DIFERENCIADO (...)
[2] BULLYING CONFIRMADO PELA PROVA TESTEMUNHAL (...)
[3] DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$10.000,00 (...)
[4] ALÉM DAS FINALIDADES PUNITIVA, PEDAGÓGICA E COMPENSATÓRIA (...)
[5] EMENTA. I - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. BULLYING. AMEAÇA E AGRESSÃO. (...)
[6] CONDUTA OMISSIVA DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. QUEBRA DO DEVER DE CUIDADO. (...)
[7] RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA RÉ (...)
[8] NEXO DE CAUSALIDADE E DANO DEMONSTRADO. INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MORAIS DEVIDA (...)

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