domingo, 14 de outubro de 2012

ENSAIO SOBRE A DITADURA DA BELEZA LIQUIDA


“E se nós fôssemos todos cegos?”, ao que ele mesmo responde: “Mas nós estamos realmente todos cegos! Cegos da razão, cegos da sensibilidade…”. (José Saramago)

Nunca a sociedade viveu tanto na caverna de Platão quanto nos tempos atuais. Nunca as pessoas se contentaram tanto com a sobra da mentira disfarçada de simulacro da realidade.
A sociedade moderna encontra-se num momento em que o sentimento dá lugar ao senso das experiências sintéticas, das belezas fabricadas, dos valores líquidos e da coisificação da vida humana.
A beleza perdeu sua essência, seu encanto e ganhou preço, tamanho, forma e marca.
Ter é mais belo do que ser. Ter um corpo talhado é mais belo do que conquistar uma alma pura e uma mente sã e culta.
Ter coisas de incalculável valor monetário é mais belo do que ser detentor do senso para observar as sutilezas dos momentos mais simples da vida.
A cada período se passa, a humanidade procura a beleza de suas carcaças, a simetria perfeita das formas que vestem suas almas, e esquecem por completo, da pureza de suas naturezas.
A beleza não é mais a conquistada com o burilar do caráter e com generosidade dos atos cotidianos, mas sim, com a forma exterior fabricada por meio da reconstrução estética que, pode ser comprada e vendida com a finalidade de satisfazer o narcisismo, a lasciva e vaidade mesquinha da alma.
Jovens desejam satisfazer sentimentos sexuais cada vez mais primitivos, desejam relações intersubjetivas cada vez mais fugazes e imediatistas. Em nenhuma outra época foi tão fácil ter sexo e, ao mesmo tempo, tão difícil se conquistar amor.
Com isso concluí-se que essa moderna beleza sintética esvazia a mente, prostitui a dignidade, apodrece o coração e degenera os valores da verdadeira beleza da natureza humana.
Mas, o pior deste conceito é a sua incontestável contribuição para as brutalidades do ser humano. Esse conceito fechado e genérico de beleza plástica acarreta sobremaneira para propagação da intolerância, do preconceito e da violência, pois, as pessoas costumam rechaçar as próprias incapacidades e frustrações quando tripudiam as características físicas do outro.
A capacidade de aceitar a si próprio como um ser perfeito dentro de suas condições naturais, e por isso, detentor de beleza única em sua singularidade, consiste no caminho para a pacificação das relações sociais.
Acredito que a beleza, enquanto característica de notável admiração social deve nascer do binômio caráter e atitude.
Esse binômio é capaz de cativar as emoções mais puras nas relações sociais, porque imprime na alma a afeição inabalável da beleza interior de quem cativa.
Sendo assim, não poderá qualquer noção massificada fugaz, nem ação deletéria do tempo na plasticidade no corpo físico, abalar a essência da beleza cativada na alma.
Ao passo que, a mera beleza física não passa de um momento de parnasianismo passageiro, uma vez que não passa de uma visão distorcida da realidade.
A realidade é que, apenas o sentimento de bem querer essencial é capaz de tornar qualquer pessoa bela, como de fato é.
A construção plástica de uma simetria física da estrutura humana, nunca fará do corpo algo verdadeiramente belo e perfeito, livre dos defeitos, manchas, e imperfeições que, vez por outra são maquiados.
Neste sentido, temos o ensinamento de José Saramago[1] numa metáfora alusiva a Romeu e Julieta em que fica demonstrado que apenas a beleza plástica do corpo não é capaz de arraigar simpatia duradoura na alma.
Se o Romeu da história tivesse os olhos do falcão, certamente, não se apaixonaria pela Julieta, porque os olhos dele não veriam uma pele agradável de ver.
Porque com a acuidade visual do falcão, não mostraria a pele tal qual a vemos.
Ao fim, concluí-se que noção moderna de beleza física cultua uma estética passageira e extremamente deteriorável, que serve apenas, para satisfazer fins egoístas de uma ditadura social.
Ao passo que a beleza interna é construída com experiências de vida, sentimentos que aperfeiçoam a psique e oportunizam o encanto pela essência do caráter. E está beleza é inesgotável, atemporal e imune aos modismos da ditadura socioeconômica.
Por que a felicidade da vida em ver a beleza em todas as coisas e criaturas do mundo está num pequeno segredo de Antoine de Saint-Exupéry[2]:

“(...) só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Os homens esqueceram essa verdade, mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas."

Apenas no dia em que a humanidade se tornar sensível às sutilezas da beleza interior, apenas do dia em que homens, mulheres e crianças puderem ver através da janela da alma é que teremos o verdadeiro sentido da beleza.
E então, será neste dia que construiremos o verdadeiro respeito, o sincero amor e conquistaremos a tão almejada pequena medida de paz chamada felicidade.
Alexandre Saldanha
OAB-PR nº 47.535
Advogado, Cientista, Escritor, Palestrante, Ativista Social, Blogueiro;
Pós-graduado em Direito Civil
Pós-graduado e Direito Processual Civil
Especialista em Bullying
Especialista em Mobbing
Fundador da Liga Anti-Bullying no Facebook










[1] Saramago, José. Depoimento retirado do Documentário: “A Janela da Alma” de João Jardim e Walter Carvalho, 2001, Brasil.
[2] Saint-Exupéry, Antonie de, O Pequeno Príncipe,