sexta-feira, 2 de novembro de 2012

ENSAIO SOBRE BULLYING ASCENDENTE E BULLYING VERTICAL, HIPÓTESES NAS QUAIS O PROFESSOR É PRATICANTE OU VÍTIMA DE BULLYING.




Eu não tenho a pretensão de mudar o mundo com aquilo que eu escrevo.
Eu apenas quero despertar a consciência das pessoas que mudarão o mundo.
(Alexandre Saldanha)



Introdução
O bullying é um mal social que assola o convívio organizado humano há mais de duas décadas. A partir de 2005 começou a receber a atenção devida no Brasil.
Essa violência ganhou praticantes, formas e vítimas diversificadas, o que gerou uma crescente discussão em diversos meios acadêmicos e sociais acerca do que realmente seria ou não uma forma de violência classificada como bullying.
Entre os anos de 2006 até 2012, estabeleceram-se diversos parâmetros sobre o bullying escolar[1], o cyber-bullying[2] e o mobille bullying[3].
O problema está na corrente confusão de terminações, e sujeitos envolvidos na prática do bullying e suas variações.
Neste estudo, serão observados os casos de bullying praticados e sofridos por professores.
Para isso, serão colacionados os conceitos técnicos sobre bullying, mobbing e assédio moral.
Dentro desta premissa, serão criadas duas novas formas de bullying: Ascendente e Vertical, com a finalidade de adequar a figura o professor na qualidade de praticante ou vítima, observando os danos decorrentes deles para os professores, bem como a obrigação indenizatória da escola para estes casos de violência.

Conceitos de Bullying, Assédio Moral e Mobbing.
A educação brasileira se encontra num período em que é acometida por uma onda de agressividade envolvendo alunos entre si e alunos e professores.
Esse mal social tem acarretado em cenas de barbárie e intolerância que resultam em mortes e traumas psicológicos de grandes proporções.
Neste ensaio, será estudada a razoabilidade do professor ser praticante ou vítima do assédio moral do tipo bullying, comparando este conceito ao mobbing ascendente e mobbing vertical, tipos de assédio moral em ambiente corporativo.
Para tanto, precisamos compreender que, para a psicologia, assédio moral é um conjunto de atitudes perniciosas e imperceptíveis, praticadas no dia-a-dia do trabalho, com a finalidade de humilhar o outro de forma perversa[4].
Já para o direito, o assédio moral é um atentado contra a dignidade e a integridade psíquica da vítima, Rodrigo dias da Fonseca[5] apud Marie-France Hirigoyen, proclama: "[...] qualquer conduta abusiva que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa [...].”
O assédio moral pode se caracterizar de muitas formas, que vai desde um isolamento da vítima até atitudes hostis perante seus colegas. Sobre as várias maneiras de acontecimento do assédio moral Luiz Salvador[6]também explica: “A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares”.
Já o bullying, poder ser conceituado como toda e qualquer forma de agressão intencional praticada repetidamente e adotada sem motivo real por um ou mais alunos contra outro, causando-lhe uma extrema angústia[7].
Considerando os conceitos acima, conclui-se que o bullying é um tipo de assédio moral que ocorre em ambiente escolar entre alunos.
Quanto ao mobbing significa todos aqueles atos e comportamentos provindos do patrão, gerente ou superior hierárquico e até mesmo de colegas, que traduzem uma atitude de contínua e extensiva perseguição que pode acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas e morais da vítima[8].
Na modalidade vertical, o mobbing, também conhecido como bossing ou “mobbing estratégico”, configura-se quando é praticado pela direção de uma empresa contra seus prepostos[9].
Já o Mobbing ascendente, é quando o assédio moral é praticado pelos prepostos contra seus superiores[10].
Com isso pode-se concluir que o Mobbing é tipo de assédio moral que acontece em ambientes de trabalho.

Fundamentação técnica sobre a hipótese do professor na qualidade de praticante ou vítima de bullying e a criação de duas novas modalidades de bullying: Bullying ascendente e Bullying Vertical.
De modo geral, o Bullying e o Mobbing são tipos de assédio moral em que o primeiro acontece entre estudantes e segundo entre trabalhadores.
Quando o professor é agredido verbalmente ou psicologicamente de forma constante por um aluno, isso configura assédio moral.
Entretanto, há quem defenda que para esses casos o professor não sofra nem pratique Bullying, pois, não há equivalência hierárquica entre agressor e vítima, configurando por isso, calúnia, injúria, difamação ou agressão física.
No entanto, pode-se considerar uma exceção acerca do conceito de bullying para as hipóteses acima, utilizando a analogia entre conceitos de bullying e mobbing.
Pontuaremos agora, algumas premissas que nos auxiliarão na adequação do professor à figura do bullying.
O assédio moral é constante e infundado, podendo ser praticado ou sofrido ou pelo professor;
 Ocorre no ambiente em que o professor trabalha;
É praticado por um sujeito ou mais com a finalidade de ferir o psicológico;
Este assédio pode acontece entre um superior hierárquico (Professor) e um subordinado (aluno), logo em uma relação de desnível de poder.
Ao observar que o assédio moral sofrido ou praticado pelo professor é contínuo, desmotivado, ocorre dentro do ambiente de trabalho em um contexto de desnível hierárquico, pode-se equipará-lo ao Mobbing nas modalidades vertical e Ascendente.
No entanto, neste caso o assédio moral é praticado entre aluno e professor em ambiente escolar e não em um espaço corporativo comum de ambos.
Por isso, para contextualizar corretamente o professor e pupilo em uma relação de Bullying, é necessário criar duas novas modalidades dessa agressão:
Bullying Ascendente: Quando os professores são humilhados, ameaçados, perseguidos e ridicularizados pelos alunos[11].
Bullying Vertical: Quando o professor, ao invés de ensinar o aluno de forma pedagogicamente correta, abusa da autoridade de seu cargo persegue, coage, ridiculariza, hostiliza, ataca a moral e a psique do pupilo diariamente[12].

Os danos do Bullying Ascendente.
Muito tem se falado acerca dos danos causados pelo Bullying contra os alunos. Todavia, não há ainda uma farta bibliografia sobre os danos causados aos professores vítimas do Bullying.
Segundo a médica e psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva[13], é comum, professores adoecidos com sintomas psico somáticos (dores de cabeça, vômito, diarreia etc.) depois de longos períodos expostos ao assédio moral em sala de aula.
Em casos mais impactantes os professores são acometidos por doenças incapacitantes como síndromes do pânico, depressão, ou até mesmo para doenças autoimunes como Tireoide, Doença de Crohn e Vitiligo.
Há casos em que os professores abandonam as salas de aula e procuram atividades que não envolvam contato com os alunos.
Conclui-se que assim como os alunos, os professores também sofrem lesões psicológicas que refletem em seus físicos e comprometem suas capacidades laborais.
Os danos do Bullying Vertical
A exposição contínua aos ataques do Bullying Vertical torna suas vítimas inseguras e pouco sociáveis, ato que dificulta o pedido de auxílio. As demais sequelas e igualam as observadas nas vítimas do Bullying Escolar, conforme o estudo da ABRAPIA[14] são: a passividade quanto as agressões sofridas, um círculo restrito de amizades, e muitos passam a ter baixo rendimento escolar, resistindo e simulando doenças com a intenção de não comparecer mais as aulas, ou até mesmo abandonando os estudos.

 A responsabilidade civil da escola nos casos do Bullying Ascendente conforme a Teoria do Risco da Atividade.
O Bullying Ascendente é um tipo de assédio moral sofrido dentro do Ambiente de trabalho, equiparado por tanto, como acidente do trabalho, sendo aquele que decorre pelo exercício do trabalho, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause redução da capacidade permanente ou temporária para o trabalho[15].
Por isso, é certo que, se observe o dever indenizatório objetivo das Instituições de ensino face aos danos sofridos pelos professores, conforme a teoria do risco profissional.
Neste sentido salienta Sérgio Cavalieri Filho[16]:
A teoria do risco profissional sustenta que o dever de indenizar tem lugar sempre que o fato prejudicial é uma decorrência da atividade ou profissão do lesado e que foi ela desenvolvida especificamente voltada à justificativa da responsabilidade pelo acidente do trabalho, ou dele decorrente, independentemente da verificação de culpa do empregador.
Para que se compreenda a responsabilidade civil da escola para o caso de Bullying Ascendente, é preciso trazer a baila os fundamentos básicos da Responsabilidade Civil.
Esses fundamentos jurídicos acham-se no âmbito da Responsabilidade Civil Objetiva das pessoas jurídicas.
O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil Brasileiro descreve a teoria objetiva da Responsabilidade Civil, dispondo que "haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Conforme a doutrina, na responsabilidade civil objetiva não há a necessidade de se comprovar a culpa porque o risco do dano decorre da natureza da atividade praticada em face das pessoas jurídicas.
Conforme Maria Helena Diniz[17] compreende a responsabilidade civil objetiva embasa-se, no risco, que explica essa responsabilidade no fato de haver o agente causado prejuízo a vitima ou a seus bens.
Para a responsabilidade civil objetiva a conduta culposa ou dolosa do causador do dano é irrelevante, uma vez que basta a existência do nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido pela vítima e a ação do agente para que exista o dever indenizatório.
 É a partir dessa teoria, que se observar o posicionamento de Maria Helena Diniz[18] em relação à responsabilidade objetiva dos estabelecimentos de ensino:
O art.932, IV, 2ª alínea do Código Civil refere-se à responsabilidade dos donos de estabelecimento de ensino, isto é, daqueles que mediante uma remuneração têm sob sua direção pessoas para serem educadas e receberem instrução. Deverão responder objetivamente e solidariamente (CC, arts. 933 e 942, parágrafo único) pelos danos causados a um colega ou a terceiros por atos ilícitos durante o tempo que exercem sobre eles vigilância e autoridade.  

Com isso concluí-se que como o Bullying Ascendente acontece dentro das dependências do estabelecimento de ensino no período de aula vê-se a figura da responsabilidade objetiva das escolas pelos danos causados pelos seus alunos entre eles ou a terceiros como bem observa Miguel Maria de Serpa Lopes, na obra Curso de Direito Civil, Fontes Acontratuais das Obrigações[19] quando sustenta que em razão da atividade oriunda de sua atribuição, a instituição exerce um dever de vigilância para com funcionários e alunos que é sancionado pela culpa presumida, pois, decorre do exercício natural da atividade escolar, o risco de arcar com possíveis danos pelos funcionários e alunos.
Com isso concluí-se que a responsabilidade civil das escolas nos casos de Bullying Ascendente decorre da teoria do risco da atividade, desde que, haja correlação entre o ato humano e a lesão.
Em outras palavras, o ato praticado pelo aluno tem que configurar uma modalidade de assédio moral que, e amolde ao bullying e cause danos psicológicos ao professor.
A Responsabilidade Civil Solidária dos Pais nos casos de Bullying Vertical.
Os pais também respondem solidariamente à instituição de ensino pelos danos causados por seus filhos nas relações de Bullying Vertical.
O Código Civil assevera que os pais representam e assistem seus filhos perante a sociedade até que eles completem maior idade. Neste diapasão, os pais responderão objetivamente pelos danos causados por seus filhos.
Tais premissas estão previstas nos artigos 1.634, 932, inciso I e 933, todos do Código Civil Brasileiro. Vejamos:
Art. 1634 - Compete aos pais, quanto às pessoas dos filhos menores:
I - dirigir-lhes a criação e educação;
II - tê-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casar-lhes;
IV - nomear-lhes tutor, por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercitar o poder familiar;
V - representá-los, até os 16(dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprimindo-lhes o consentimento;
VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; 
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
A lei oportuniza a conclusão de que os pais respondem de forma objetiva pelos danos causados por seus filhos à terceiro.
Para os casos de Bullying Vertical não será diferente, uma vez que os filhos assediam os professores causando-lhes sofrimento e danos psicológicos.
O diferencial está na possibilidade de acionar de forma solidária a família do aluno agressor para que responda solidariamente à instituição de ensino.

A responsabilidade civil do Professor e da Escola nos casos do Bullying Vertical à luz do Código Civil.
Nos casos de Bullying Vertical a responsabilidade indenizatória é imputada diretamente ao professor e solidariamente à instituição de ensino que o contratou, visto que, o inciso III do artigo 932, inciso III e 933 do Código Civil Brasileiro, ordenam que o empregador seja responsável pela reparação civil dos atos praticados por seus empregados, ainda que não haja culpa:
Art. 932 . São também responsáveis pela reparação civil:
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

Conclusão

Com esse ensaio, foi possível adequar o professor como sujeito envolvido como praticante e alvo do Bullying.
Para realizar esta adequação, foi necessário lançar mãos dos conceitos de Mobbing Ascendente e Mobbing Vertical, porque são similares as novas modalidades de Bullying criadas neste estudo.
As novas modalidades de Bullying criadas foram a Ascendente, quando praticada pelo aluno contra o professor e Vertical, quando o aluno é alvo deste tipo de assédio moral por parte do professor.
Observou-se também que essas duas novas modalidades de Bullying trazem danos psicológicos e físicos para as vítimas, o que gera o dever indenizatório por parte de seus autores.
Também foi estabelecida a responsabilidade objetiva das escolas e a responsabilidade civil solidária dos pais dos alunos nos casos de Bullying Vertical.
Finalmente, foi delimitada a responsabilidade pessoal do professor quando este pratica Bullying Ascendente, como também, a responsabilidade objetiva e solidária da Instituição de ensino por razão da natureza de sua atividade e advento de lei.

ALEXANDRE SALDANHA
OAB-PR nº 47.535
ADVOGADO, ESCRITOR, CIENTISTA, PALESTRANTE, ATIVISTA SOCIAL,      BLOGUEIRO.
FUNDADOR DA LIGA ATNI-BULLYING
ESPECIALISTA EM BULLYING
ESPECIALISTA EM MOBBING
PÓS-GRADUADO EM DIREITO CIVIL
PÓS-GRADUADO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL



[1] Bullying ocorrido entre crianças e adolescentes dentro do ambiente escolar.
[2] Bullying ocorrido em ambiente cibernético por meio de redes sociais e emails.
[3] Bullying praticado utilizado aparelhos celulares.
[4] Fante, Cleo, Bullying escolar: perguntas & respostas/ Cleo Fante José Augusto Pedra.-Porto Alegre: Artmed 2008,  p.76
[5] Fonseca, Rodrigo Dias da Assédio Moral: Breves notas, jusnavegandi.com.Br, disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9512&p=2, acesso em 28/07/2007.
[6] Salvador, Luiz, Assédio moral. TRT da 17ª Região reconhece que violação à dignidade humana dá direito a indenização, jusnavegandi.com.br, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9512&p=2, acesso em 28/07/2007
[7] Soares, Alexandre Saldanha Tobias, A Responsabilidade Civil das Instituições de Ensino em Relação aos Efeitos do Bullying, 1 ed., 1ª impr. Editora JM, 2012, p.53
[8] Guedes, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p.33
[9] Cavalcanti, Lais Mansur, Mobbing no ambiente de trabalho: Estratégia ou agressão?,  2010, 85 fls., Trabalho de conclusão de curso apresentado para obtenção do grau de Bacharel em Direito na Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2010, p.42
[10] Cavalcanti, Lais Mansur, Mobbing no ambiente de trabalho: Estratégia ou agressão? , p.43
[11] Silva, Ana Beatriz Barbosa, Bullying, Mentes Perigosas na Escola, Rio de Janeiro, Objetiva, 2010, p. 147.
[12] Silva, Ana Beatriz Barbosa, Bullying, Mentes Perigosas na Escola, p. 148.
[13] Silva, Ana Beatriz Barbosa, idem, p.148.
[14] ABRAPIA. Programa de redução do comportamento agressivo entre estudantes, disponível em:http:// www.bullyng.com.br, acesso em 20/jun/2007.
[15] Lima, Alvino. Culpa e Risco. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.10.
[16] Stoco, Rui Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª Ed, revista, atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004., p. 60
[17] Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro. 19 ed. São Paulo: Saraiva; 2002, p.59
[18] Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro. p.59
[19] Lopes, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil / Miguel Maria de Serpa Lopes; Fontes Acontratuais das Obrigações-Responsabilidade Civil. 4 ed. rev. e atual.  por José Serpa Santa Maria.  Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995, p. 250.