Eu não tenho a
pretensão de mudar o mundo com aquilo que eu escrevo.
Eu apenas quero
despertar a consciência das pessoas que mudarão o mundo.
(Alexandre
Saldanha)
Introdução
O
bullying é um mal social que assola o
convívio organizado humano há mais de duas décadas. A partir de 2005 começou a receber
a atenção devida no Brasil.
Essa
violência ganhou praticantes, formas e vítimas diversificadas, o que gerou uma
crescente discussão em diversos meios acadêmicos e sociais acerca do que
realmente seria ou não uma forma de violência classificada como bullying.
Entre
os anos de 2006 até 2012, estabeleceram-se diversos parâmetros sobre o bullying escolar[1], o
cyber-bullying[2]
e o mobille bullying[3].
O
problema está na corrente confusão de terminações, e sujeitos envolvidos na
prática do bullying e suas variações.
Neste
estudo, serão observados os casos de bullying
praticados e sofridos por professores.
Para
isso, serão colacionados os conceitos técnicos sobre bullying, mobbing e
assédio moral.
Dentro
desta premissa, serão criadas duas novas formas de bullying: Ascendente e Vertical, com a finalidade de adequar a
figura o professor na qualidade de praticante ou vítima, observando os danos
decorrentes deles para os professores, bem como a obrigação indenizatória da
escola para estes casos de violência.
Conceitos
de Bullying, Assédio Moral e Mobbing.
A
educação brasileira se encontra num período em que é acometida por uma onda de
agressividade envolvendo alunos entre si e alunos e professores.
Esse
mal social tem acarretado em cenas de barbárie e intolerância que resultam em
mortes e traumas psicológicos de grandes proporções.
Neste
ensaio, será estudada a razoabilidade do professor ser praticante ou vítima do
assédio moral do tipo bullying,
comparando este conceito ao mobbing
ascendente e mobbing vertical, tipos
de assédio moral em ambiente corporativo.
Para
tanto, precisamos compreender que, para a psicologia, assédio moral é um
conjunto de atitudes perniciosas e imperceptíveis, praticadas no dia-a-dia do
trabalho, com a finalidade de humilhar o outro de forma perversa[4].
Já
para o direito, o assédio moral é um atentado contra a dignidade e a
integridade psíquica da vítima, Rodrigo dias da Fonseca[5] apud Marie-France
Hirigoyen, proclama: "[...] qualquer conduta abusiva que atente, por sua
repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou
física de uma pessoa [...].”
O
assédio moral pode se caracterizar de muitas formas, que vai desde um
isolamento da vítima até atitudes hostis perante seus colegas. Sobre as várias
maneiras de acontecimento do assédio moral Luiz Salvador[6]também explica: “A vítima
escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada,
ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares”.
Já
o bullying, poder ser conceituado
como toda e qualquer forma de agressão intencional praticada repetidamente e
adotada sem motivo real por um ou mais alunos contra outro, causando-lhe uma
extrema angústia[7].
Considerando
os conceitos acima, conclui-se que o bullying
é um tipo de assédio moral que ocorre em ambiente escolar entre alunos.
Quanto
ao mobbing significa todos aqueles atos e comportamentos provindos do patrão, gerente
ou superior hierárquico e até mesmo de colegas, que traduzem uma atitude de
contínua e extensiva perseguição que pode acarretar danos relevantes às
condições físicas, psíquicas e morais da vítima[8].
Na
modalidade vertical, o mobbing, também conhecido como bossing ou
“mobbing estratégico”, configura-se quando é praticado pela direção de
uma empresa contra seus prepostos[9].
Já
o Mobbing ascendente, é quando o assédio moral é praticado pelos
prepostos contra seus superiores[10].
Com
isso pode-se concluir que o Mobbing é
tipo de assédio moral que acontece em ambientes de trabalho.
Fundamentação
técnica sobre a hipótese do professor na qualidade de praticante ou vítima de
bullying e a criação de duas novas modalidades de bullying: Bullying ascendente
e Bullying Vertical.
De
modo geral, o Bullying e o Mobbing são tipos de assédio moral em
que o primeiro acontece entre estudantes e segundo entre trabalhadores.
Quando
o professor é agredido verbalmente ou psicologicamente de forma constante por
um aluno, isso configura assédio moral.
Entretanto,
há quem defenda que para esses casos o professor não sofra nem pratique Bullying, pois, não há equivalência
hierárquica entre agressor e vítima, configurando por isso, calúnia, injúria,
difamação ou agressão física.
No
entanto, pode-se considerar uma exceção acerca do conceito de bullying para as hipóteses acima,
utilizando a analogia entre conceitos de bullying e mobbing.
Pontuaremos
agora, algumas premissas que nos auxiliarão na adequação do professor à figura
do bullying.
O
assédio moral é constante e infundado, podendo ser praticado ou sofrido ou pelo
professor;
Ocorre no ambiente em que o professor
trabalha;
É
praticado por um sujeito ou mais com a finalidade de ferir o psicológico;
Este
assédio pode acontece entre um superior hierárquico (Professor) e um
subordinado (aluno), logo em uma relação de desnível de poder.
Ao
observar que o assédio moral sofrido ou praticado pelo professor é contínuo,
desmotivado, ocorre dentro do ambiente de trabalho em um contexto de desnível
hierárquico, pode-se equipará-lo ao Mobbing
nas modalidades vertical e Ascendente.
No
entanto, neste caso o assédio moral é praticado entre aluno e professor em
ambiente escolar e não em um espaço corporativo comum de ambos.
Por
isso, para contextualizar corretamente o professor e pupilo em uma relação de Bullying, é necessário criar duas novas
modalidades dessa agressão:
Bullying Ascendente: Quando
os professores são humilhados, ameaçados, perseguidos e ridicularizados pelos alunos[11].
Bullying Vertical: Quando
o professor, ao invés de ensinar o aluno de forma pedagogicamente correta,
abusa da autoridade de seu cargo persegue, coage, ridiculariza, hostiliza, ataca
a moral e a psique do pupilo diariamente[12].
Os danos do Bullying Ascendente.
Muito
tem se falado acerca dos danos causados pelo Bullying contra os alunos. Todavia, não há ainda uma farta
bibliografia sobre os danos causados aos professores vítimas do Bullying.
Segundo
a médica e psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva[13],
é comum, professores adoecidos com sintomas psico somáticos (dores de cabeça,
vômito, diarreia etc.) depois de longos períodos expostos ao assédio moral em
sala de aula.
Em
casos mais impactantes os professores são acometidos por doenças incapacitantes
como síndromes do pânico, depressão, ou até mesmo para doenças autoimunes como
Tireoide, Doença de Crohn e Vitiligo.
Há
casos em que os professores abandonam as salas de aula e procuram atividades
que não envolvam contato com os alunos.
Conclui-se
que assim como os alunos, os professores também sofrem lesões psicológicas que
refletem em seus físicos e comprometem suas capacidades laborais.
A responsabilidade civil da escola nos casos
do Bullying Ascendente conforme a Teoria
do Risco da Atividade.
O
Bullying Ascendente é um tipo de
assédio moral sofrido dentro do Ambiente de trabalho, equiparado por tanto, como acidente do trabalho, sendo aquele que
decorre pelo exercício do trabalho, provocando lesão corporal ou perturbação
funcional que cause redução da capacidade permanente ou temporária para o
trabalho[15].
Por isso, é certo que, se observe o dever indenizatório objetivo das
Instituições de ensino face aos danos sofridos pelos professores, conforme a
teoria do risco profissional.
Neste sentido salienta Sérgio Cavalieri Filho[16]:
A teoria do risco profissional sustenta que
o dever de indenizar tem lugar sempre que o fato prejudicial é uma decorrência
da atividade ou profissão do lesado e que foi ela desenvolvida especificamente
voltada à justificativa da responsabilidade pelo acidente do trabalho, ou dele
decorrente, independentemente da verificação de culpa do empregador.
Para
que se compreenda a responsabilidade civil da escola para o caso de Bullying Ascendente, é preciso trazer a baila os fundamentos básicos da Responsabilidade
Civil.
Esses
fundamentos jurídicos acham-se no âmbito da Responsabilidade Civil Objetiva das
pessoas jurídicas.
O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil
Brasileiro descreve a teoria objetiva da Responsabilidade Civil, dispondo que
"haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Conforme
a doutrina, na responsabilidade civil objetiva não há a necessidade de se
comprovar a culpa porque o risco do dano decorre da natureza da atividade
praticada em face das pessoas jurídicas.
Conforme
Maria Helena Diniz[17]
compreende a responsabilidade civil objetiva embasa-se, no risco, que explica
essa responsabilidade no fato de haver o agente causado prejuízo a vitima ou a
seus bens.
Para
a responsabilidade civil objetiva a conduta culposa ou dolosa do causador do
dano é irrelevante, uma vez que basta a existência do nexo de causalidade entre
o prejuízo sofrido pela vítima e a ação do agente para que exista o dever
indenizatório.
É a partir dessa teoria, que se observar o
posicionamento de Maria Helena Diniz[18] em relação à
responsabilidade objetiva dos estabelecimentos de ensino:
O art.932, IV,
2ª alínea do Código Civil refere-se à responsabilidade dos donos de
estabelecimento de ensino, isto é, daqueles que mediante uma remuneração têm
sob sua direção pessoas para serem educadas e receberem instrução. Deverão
responder objetivamente e solidariamente (CC, arts. 933 e 942, parágrafo único)
pelos danos causados a um colega ou a terceiros por atos ilícitos durante o
tempo que exercem sobre eles vigilância e autoridade.
Com
isso concluí-se que como o Bullying
Ascendente acontece dentro das dependências do estabelecimento de ensino no
período de aula vê-se a figura da responsabilidade objetiva das escolas pelos
danos causados pelos seus alunos entre eles ou a terceiros como bem observa
Miguel Maria de Serpa Lopes, na obra Curso de Direito Civil, Fontes
Acontratuais das Obrigações[19] quando sustenta que em
razão da atividade oriunda de sua atribuição, a instituição exerce um dever de
vigilância para com funcionários e alunos que é sancionado pela culpa
presumida, pois, decorre do exercício natural da atividade escolar, o risco de
arcar com possíveis danos pelos funcionários e alunos.
Com
isso concluí-se que a responsabilidade civil das escolas nos casos de Bullying Ascendente decorre da teoria do
risco da atividade, desde que, haja correlação entre o ato humano e a lesão.
Em
outras palavras, o ato praticado pelo aluno tem que configurar uma modalidade
de assédio moral que, e amolde ao bullying
e cause danos psicológicos ao professor.
A Responsabilidade Civil Solidária dos Pais nos casos de Bullying Vertical.
Os pais também respondem solidariamente
à instituição de ensino pelos danos causados por seus filhos nas relações de Bullying Vertical.
O Código Civil assevera que os pais representam
e assistem seus filhos perante a sociedade até que eles completem maior idade.
Neste diapasão, os pais responderão objetivamente pelos danos causados por seus
filhos.
Tais premissas estão previstas nos artigos 1.634, 932, inciso I e 933, todos do
Código Civil Brasileiro. Vejamos:
Art.
1634 - Compete aos pais, quanto às pessoas dos filhos menores:
I
- dirigir-lhes a criação e educação;
II
- tê-los em sua companhia e guarda;
III
- conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casar-lhes;
IV
- nomear-lhes tutor, por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais
não sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercitar o poder familiar;
V
- representá-los, até os 16(dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e
assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprimindo-lhes o
consentimento;
VI
- reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII
- exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua
idade e condição.
Art. 932. São também responsáveis pela
reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
Art. 933. As pessoas indicadas nos
incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte,
responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
A
lei oportuniza a conclusão de que os pais respondem de forma objetiva pelos
danos causados por seus filhos à terceiro.
Para
os casos de Bullying Vertical não
será diferente, uma vez que os filhos assediam os professores causando-lhes
sofrimento e danos psicológicos.
O
diferencial está na possibilidade de acionar de forma solidária a família do
aluno agressor para que responda solidariamente à instituição de ensino.
A responsabilidade civil do Professor e da Escola nos casos
do Bullying Vertical à luz do Código
Civil.
Nos
casos de Bullying Vertical a
responsabilidade indenizatória é imputada diretamente ao professor e
solidariamente à instituição de ensino que o contratou, visto que, o inciso III
do artigo 932, inciso III e 933 do Código Civil Brasileiro, ordenam que o
empregador seja responsável pela reparação civil dos atos praticados por seus
empregados, ainda que não haja culpa:
Art. 932 . São
também responsáveis pela reparação civil:
III - o
empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no
exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
Art. 933. As
pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja
culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali
referidos.
Conclusão
Com
esse ensaio, foi possível adequar o professor como sujeito envolvido como
praticante e alvo do Bullying.
Para
realizar esta adequação, foi necessário lançar mãos dos conceitos de Mobbing
Ascendente e Mobbing Vertical, porque são similares as novas modalidades de
Bullying criadas neste estudo.
As
novas modalidades de Bullying criadas foram a Ascendente, quando praticada pelo
aluno contra o professor e Vertical, quando o aluno é alvo deste tipo de
assédio moral por parte do professor.
Observou-se
também que essas duas novas modalidades de Bullying trazem danos psicológicos e
físicos para as vítimas, o que gera o dever indenizatório por parte de seus
autores.
Também
foi estabelecida a responsabilidade objetiva das escolas e a responsabilidade
civil solidária dos pais dos alunos nos casos de Bullying Vertical.
Finalmente,
foi delimitada a responsabilidade pessoal do professor quando este pratica
Bullying Ascendente, como também, a responsabilidade objetiva e solidária da
Instituição de ensino por razão da natureza de sua atividade e advento de lei.
ALEXANDRE SALDANHA
OAB-PR nº 47.535
|
ADVOGADO, ESCRITOR, CIENTISTA,
PALESTRANTE, ATIVISTA SOCIAL, BLOGUEIRO.
FUNDADOR DA LIGA ATNI-BULLYING
ESPECIALISTA EM BULLYING
ESPECIALISTA EM MOBBING
PÓS-GRADUADO EM DIREITO CIVIL
PÓS-GRADUADO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL
|
[1] Bullying ocorrido entre crianças e adolescentes dentro do ambiente
escolar.
[2] Bullying ocorrido em ambiente cibernético por meio de redes sociais
e emails.
[3] Bullying praticado utilizado aparelhos celulares.
[4] Fante,
Cleo, Bullying escolar: perguntas & respostas/ Cleo Fante José Augusto
Pedra.-Porto Alegre: Artmed 2008, p.76
[5] Fonseca, Rodrigo Dias da Assédio
Moral: Breves notas, jusnavegandi.com.Br, disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9512&p=2, acesso em 28/07/2007.
[6] Salvador, Luiz, Assédio moral. TRT da 17ª Região
reconhece que violação à dignidade humana dá direito a indenização,
jusnavegandi.com.br, disponível em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9512&p=2, acesso em 28/07/2007
[7] Soares, Alexandre Saldanha
Tobias, A Responsabilidade Civil das Instituições de Ensino em Relação aos
Efeitos do Bullying, 1 ed., 1ª impr. Editora JM, 2012, p.53
[9] Cavalcanti,
Lais Mansur, Mobbing no ambiente de trabalho: Estratégia ou
agressão?, 2010, 85 fls., Trabalho de
conclusão de curso apresentado para obtenção do
grau de Bacharel em Direito na Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2010, p.42
[11] Silva, Ana Beatriz Barbosa,
Bullying, Mentes Perigosas na Escola, Rio de Janeiro, Objetiva, 2010, p. 147.
[12] Silva, Ana Beatriz Barbosa,
Bullying, Mentes Perigosas na Escola, p. 148.
[13] Silva, Ana Beatriz Barbosa, idem,
p.148.
[14] ABRAPIA. Programa de redução do comportamento
agressivo entre estudantes, disponível em:http:// www.bullyng.com.br, acesso em
20/jun/2007.
[16]
Stoco, Rui
Tratado de Responsabilidade Civil, 6ª Ed, revista, atual. e ampl., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004.,
p. 60
[17] Diniz,
Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro. 19 ed. São Paulo: Saraiva; 2002, p.59
[18] Diniz,
Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro. p.59
[19] Lopes, Miguel
Maria de Serpa. Curso de Direito Civil / Miguel Maria de Serpa Lopes; Fontes
Acontratuais das Obrigações-Responsabilidade Civil. 4 ed. rev. e atual. por José Serpa Santa Maria. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995, p. 250.